A DINÂMICA DAS OCUPAÇÕES URBANAS: PERSPECTIVAS GEOGRÁFICAS E ARQUITETÔNICAS

por Augusto Leite e Gabriel de Mello

As ocupações urbanas são fenômenos recorrentes nas grandes cidades brasileiras, resultado da tensão entre a crescente demanda por moradia e a limitada oferta de habitação acessível. Sob o olhar da geografia e da arquitetura, as ocupações revelam não apenas as desigualdades sociais, mas também questões complexas sobre a organização do espaço urbano e os desafios da urbanização contemporânea.

A cada ano que passa, em algumas regiões, a população cresce, e muitas vezes este crescimento não se deve a mudanças nas taxas de natalidade. Fatores como o deslocamento populacional entre cidades, entre países, da zona rural para a urbana, vão esvaziando regiões onde a vida, ambiental ou social, não parece mais ser possível, para novos lugares. Junto a isso nasce a demanda por novas moradias, e na ausência de um planejamento que acompanhe essas transformações, muitos espaços verdes são ocupados comprometendo o bioma local 

Arquitetos e geógrafos observam que a humanidade vem priorizando, especialmente nos últimos anos, a construção de mais prédios, de forma que os municípios vão perdendo seu poder e missão de ter uma cidade mais arborizada. As famosas casas tradicionais – que, especialmente, contém árvores e até hortas, estão em franca decadência para prédios luxuosos, muitas vezes, por vaidade do ser humano, inclusive. Atualmente, existem mais de 100 ocupações em Passo Fundo, algumas delas conquistaram água encanada, outras a liberação dos terrenos onde as casas acabaram construídas, algumas sem escolas próximas, ou a possibilidade de creche para que as mães possam trabalhar com tranquilidade. 

O cenário produzido pelas ocupações entrelaçada ao direito dos moradores e ao  desenvolvimento da cidade faz percebermos que existe um trabalho interdisciplinar que precisa ser feito. Como parte de um especial sobre as Ocupações em Passo Fundo, nossa equipe entrevistou um arquiteto e um geógrafo, que refletem sobre as inúmeras questões implicadas no direito pela cidade. 

A EVOLUÇÃO DAS CIDADES E DIREITOS DE MORADIA

marcos Frandoloso é arquiteto urbanista e professor da Universidade de Passo Fundo, onde está há 30 anos. Como membro do Conselho Municipal de Desenvolvimento Integrado representando a UPF, trabalha com uma série de discussões sobre como a cidade vai crescer e quais são os requisitos necessários. Além disso, Marcos participa do projeto Beira Trilhos, um trabalho extensionista da Universidade de Passo Fundo em conjunto com a Comissão de Direitos Humanos, que dedica-se às ocupações em torno da estrada férrea que corta a cidade. A partir da sua experiência, Frandoloso conversou conosco sobre as relações entre a arquitetura e o dilema dos ocupações.

Como o relevo e o clima influenciam o planejamento e arquitetura de uma ocupação?

“O processo de ocupação sempre busca condições mais favoráveis de topografia, ou seja, áreas mais altas que tenham recursos hídricos. Quando falamos dos primeiros assentamentos, as cidades tentam sempre buscar os melhores locais para que as populações se estabeleçam. Porém, no processo de evolução das cidades, essas áreas favoráveis acabam tendo um uso prioritário, enquanto as outras áreas que são suscetíveis a enchentes e outras questões que temos vivenciado bastante agora são aquelas que, digamos assim, não têm tanto interesse para ocupação. Inclusive, algumas são proibidas de receber ocupação em áreas costeiras. Existe toda uma legislação ambiental sobre o uso e a ocupação do solo, que faz com que essas áreas acabem sendo marginalizadas. A princípio, buscamos as melhores condições, mas o que acontece é que as áreas periféricas ou aquelas que têm vulnerabilidade climática ou ambiental acabam se tornando territórios bastante propícios para as ocupações humanas.”

Além das questões legais, as regiões elevadas, não são perigosas?

Tem outro fator: não estamos falando apenas de ocupação, mas da ocupação como forma de garantia da moradia. Ou seja, estamos abordando a ocupação do solo de uma forma mais ampla, pois essas áreas são suscetíveis a riscos. Uma das coisas que vivenciamos, principalmente agora na crise climática, é que não apenas a população de baixa renda, mas também a de alta renda, ao ocupar as declividades, se torna muito mais suscetível ao que chamamos de deslocamento de massa. Isso se deve a toda a terra que desceu, principalmente aqui no vale de Taquari. Portanto, essas áreas deveriam ser preservadas; tanto que a legislação já prevê isso. 

Quais características geográficas devem ser levadas em conta ao projetar espaços comunitários?

Primeiro, que eles sejam seguros, e com isso me refiro à segurança em relação a cheias e a possíveis acidentes em rodovias e ferrovias. Outra coisa que também é importante, ao pensarmos no território como um todo, é como a cidade vai se conectar com a outra parte. O que temos visto, infelizmente, em Passo Fundo é a quantidade de condomínios que se assemelham a castelos, quase todos murados, que não se conectam com o principal na organização do território.

Como a legislação de preservação ambiental e o trabalho dos arquitetos devem conversar?

Existem duas situações: a primeira é o formal, aqueles projetos de condomínios que são elaborados por arquitetos, até por obrigação e atribuição de quem trabalha com planejamento urbano, que são exclusivos de arquitetos e urbanistas. Há um aspecto legal na lei de parcelamento do solo e nos códigos e planos diretores dos municípios. Isso estabelece uma série de critérios e requisitos em relação ao uso das áreas naturais. Por outro lado, também temos uma série de requisitos ambientais no licenciamento dessas áreas.

Como o relevo e o clima influenciam o planejamento e arquitetura de uma ocupação?

O processo de ocupação sempre busca condições mais favoráveis de topografia, ou seja, áreas mais altas que tenham recursos hídricos. Quando falamos dos primeiros assentamentos, as cidades tentam sempre buscar os melhores locais para que as populações se estabeleçam. Porém, no processo de evolução das cidades, essas áreas favoráveis acabam tendo um uso prioritário, enquanto as outras áreas, que são suscetíveis a enchentes e outras questões que temos vivenciado bastante agora, são aquelas que, digamos assim, não têm tanto interesse para ocupação. Inclusive, algumas são proibidas de receber ocupação em áreas costeiras. Existe toda uma legislação ambiental sobre o uso e a ocupação do solo, que faz com que essas áreas acabem sendo marginalizadas. Isso põe em evidência todo esse processo. 

CIDADE FRAGMENTADA E DEMOCRACIA

Marcelo Chelotti é geógrafo e professor na Universidade de Santa Maria, onde atua no programa de pós-graduação: mestrado e doutorado. Além disso, lidera um grupo de pesquisa chamado NUGAL (Núcleo de Estudos em Geografia, Agricultura e Alimentação. O geógrafo trabalha na formação de licenciatura para professores e bachareis (para uma geografia mais aplicada). Seus trabalhos estão voltados à geografia humana, trabalhando com projetos de extensão, sobre identidade cultural e paisagem natural. Marcelo trabalhou também com movimentos sociais e luta por moradia.

Quais fatores geográficos influenciam a localização de comunidades humanas?

Do ponto de vista histórico, na organização das comunidades humanas na superfície terrestre, uma primeira consideração são os elementos ligados à natureza, ou seja, a disponibilidade de água e alimento. As primeiras civilizações se localizavam às margens de grandes rios, como, por exemplo, a civilização ao longo do rio Nilo. Do ponto de vista histórico, a primeira relação se dá muito a partir dessa disponibilidade inicial de recursos naturais, principalmente a água, que é fundamental tanto para o abastecimento humano quanto para a irrigação e a pesca.

Como o geógrafo qual a tua visão em relação a esse movimento humano que vem acontecendo nos últimos anos?

Temos que considerar que há um marco na civilização ocidental a partir da Revolução Industrial, que muda completamente a lógica da relação entre cidade e campo. Com a Revolução Industrial, acentua-se o processo de urbanização, e esse processo, obviamente, vem acompanhado de um fluxo de migrantes vindos do campo, muitas vezes expulsos das terras para o avanço das lavouras. Isso faz com que aumente no espaço urbano a demanda por moradia

Como a disponibilidade de recursos naturais pode afetar o desenvolvimento de uma ocupação? 

Nessa linha, a questão da disponibilidade de recursos está, em um primeiro momento, ligada a fatores eminentemente naturais. Se uma comunidade ou um grupo social se organiza às margens de um rio que possui solo fértil e uma cultura abundante, obviamente terá as condições iniciais fundamentais para seu desenvolvimento. No entanto, se isso não for bem gerido, pode ocorrer o esgotamento dessa condição.

Como você percebe a relação entre as questões de moradia e sua abordagem pelas plataformas políticas recentemente?

A política, seja à direita ou à esquerda, é um campo de disputas, de projetos e de desenvolvimentos. Assim, temos um projeto de desenvolvimento que fragmenta a cidade para o mercado imobiliário é um projeto que torna a cidade mais democrática. É um jogo político, não partidário, no sentido de que cidade queremos: uma cidade mais à mercê do mercado imobiliário ou uma cidade em que o Estado atue mais como planejador.

De que forma a localização geográfica pode determinar as atividades econômicas de uma ocupação?

Nessa linha, se estou em um município que possui uma política habitacional com bairros planejados para moradia popular, terei um menor índice de ocupações de terras para moradia. Onde isso não ocorre, a situação é inversa. É nessa linha de raciocínio que venho traçando.

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