Vida de circo

Pode parecer poética, mas não é. A vida no circo é dura, sofrida e rodeada por preconceito.

Nascemos em um determinado ambiente, crescemos nele e, na maioria das vezes, somos impelidos a ficar ali pelo resto de nossas vidas. Édina Gomes tem 42 anos e nasceu no circo, assim como sua mãe. Quando era jovem, ela participava do espetáculo, apresentando números como trapézio e corda indiana. Hoje, seus filhos e netos a ajudam a manter em pé a lona que sustenta a família, os empregados e a fome de circo do povo do sul do Brasil. No país, segundo estimativa de 2009 da Funarte, Fundação Nacional de Artes, órgão ligado ao Ministério da Cultura, existem 500 circos de pequeno, médio e grande porte. O Circo Rodeio Sul, administrado por Édina e seu marido, tem apenas 13 pessoas trabalhando, e cada um faz um pouco de tudo. Na hora do espetáculo, enquanto o palhaço faz as piadas, o equilibrista ajuda a arrumar o cenário e montar a próxima atração. Mas nem sempre foi assim, o circo era maior, com mais pessoas trabalhando. “A minha mãe veio trabalhar no circo do pai do meu atual marido, aí nos conhecemos e casamos. Mas, naquela época, o circo era só um, com três irmãos de sócios e, como ficou muita gente, eles separaram. O Mandioca ficou com um, o Lambari com outro e nós temos o nosso”, conta ela, lembrando-se de como começou a história do circo.

A arte é antiga, não se sabe ao certo quando eles surgiram, mas pesquisadores encontraram pinturas com cerca de 5.000 anos na China, nas quais aparecem contorcionistas, equilibristas e acrobatas. No Egito, Índia e Grécia também existem registros de apresentações com domadores de animais e palhaços. O espetáculo, como o conhecemos hoje, foi criado por Philip Astley, um oficial inglês da Cavalaria Britânica.  Astley’s Amphitheatre foi o circo europeu moderno pioneiro, inaugurado em Londres por volta de 1770. No início, as apresentações eram apenas com cavalos, evoluindo com a vinda de palhaços, saltimbancos, equilibristas e saltadores.

No Brasil, muito antes da criação de Astley, os ciganos já rodavam o país fazendo apresentações como as circenses. Mais tarde, os circos foram se estabilizando como empresas e ganhando cada vez mais fãs pelas cidades, onde o entretenimento era escasso e quase não existiam outras formas de passar o tempo. Naquela época era mais fácil atrair o público. Os dias já foram melhores para aqueles que rodam o país espalhando cultura a todo lugar.

Dona Édina tem 42 anos e nasceu no circo

As dificuldades são muitas e Édina cita principalmente a inconveniência da mudança constante e a recepção – muitas vezes ruim – das pessoas nas cidades. “A principal dificuldade de viver no circo é a mudança. A gente chega em uma cidade, não tem água, não tem luz, às vezes vamos nos vizinhos pedir um balde de água e eles não querem arrumar”, conta ela. Édina nasceu em Santa Catarina, mas não possui moradia fixa. Seu lar é o ônibus que, juntamente com o caminhão do circo, roda pelas cidades do interior do sul do Brasil e passa cerca de 15 dias em cada uma delas. “Onde a gente vai é onde a gente mora. Faz cinco anos que estamos rodando o estado”, explica ela. A preferência pelos municípios pequenos é simples: neles, não há muito o que se fazer nos finais de semana. “Cidades grandes já não têm público. Tem muita festa, muito bar, muita lanchonete, muita coisa, daí o povo prefere isso a vir ao circo”.

Outro motivo que deixa as cidades grandes de fora do roteiro é o fato de a firma não ser registrada, “tem que pedir o alvará e para isso tem que ter CNPJ”, explica Édina. A falta de um número de CNPJ também implica não receber ajuda do governo. Os circos recebem incentivo do Ministério da Cultura, mas, para Édina, “isso só se você for muito atrás, e tem que ser uma pessoa que tenha instrução, porque tem que ir lá para Brasília. Nós preferimos trabalhar e conseguir as coisas por nós mesmos”.

Trabalhar, e trabalhar duro. É a isso que se resume praticamente todo o tempo de quem vive no circo. Mas, assim como existe preconceito com os ciganos, os circenses também sofrem com a falta de sensatez de algumas pessoas. Édina ressalta que, quando não se tem uma moradia fixa, o trabalho é dobrado. “Muitos acham que a gente não faz nada de dia, mas os rapazes têm que buscar os bois, tratar os cavalos, a gente tem que fazer comida, lavar roupa, limpar a casa. Moramos no ônibus, mas não é por causa disso que não temos que limpar, e temos que preparar o que vendemos de noite também”. Ao contrário do que você pode pensar, a vida de quem trabalha no circo, de quem vive na estrada, não é tão diferente assim. Segundo Édina, “a única coisa que diferencia vocês de nós é vivermos no circo.” E o que sustenta essa arte, muitas vezes deixada de lado, são os sorrisos das crianças. “Se não fossem elas, o circo já tinha morrido há muito tempo”.

Confira no infográfico abaixo alguns números do circo atualmente.

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