A história do menino que não sabia o que era uma câmera

  “Tia, o que é isso?”Eu não sabia como responder à pergunta feita pelo menino com jeito tímido. Era para ser apenas mais uma cobertura, apenas um evento. Era simples: saía da agência munida de um notebook e uma câmera fotográfica para o bairro Bom Jesus, voltaria no final da tarde e estava tudo certo. Mas eu estava enganada.

O questionamento inesperado me obrigou a pensar o que era aquilo que estava pendurado no meu pescoço, qual a função daquele objetos que rotineiramente carrego. A máquina fotográfica que eu carregava já havia sido utilizada em tantos lugares, inclusive ali, onde fotografei todas as peças da casinha humilde que era sede para a festa de Dia das Crianças daquele bairro. Olhei para o menino e disse que aquilo era uma máquina fotográfica, que gravava os momentos dentro dela todas as vezes que eu apertasse o botão. Mirei nele, apertei o botão e mostrei o resultado, observando que a expressão de susto havia virado deslumbramento no rosto do menino, do qual eu não sei o nome.

A câmera era a única coisa que nos separava, pois estávamos unidos pela surpresa. Ele, provavelmente, não acreditava que pudesse se ver em uma máquina e que a imagem dele pudesse ser vista por outras pessoas depois daquele click. Eu não sabia o que dizer. Estávamos unidos pelo susto e pela estreia: era a primeira vez que ele era retratado e era a primeira vez que eu fotografava. Antes daquele questionamento curioso, eu apenas apertava o botão, mas não mostrava nada. Não era a realidade, eram apenas cenas.

Eu não lembro a primeira vez em que levei um susto, um fato que tenha me surpreendido ou a última vez em que questionei alguém. Você lembra? O inesperado ganha novo significado quando lembro do dia em que tive a missão de explicar para um inocente o que era aquela caixa preta pendurada no meu pescoço. Eu não lembro de muita coisa, mas não consigo esquecer do rosto do menino. Ele tinha um jeito de quem temia ofender só de perguntar alguma coisa, não sei se os olhos eram grandes mesmo ou se arregalaram por medo e curiosidade.

          Ao explicar para o menino o que era uma fotografia, mais crianças se aproximaram. Elas arregalaram os olhos quando disse que mais pessoas as veriam. Instintivamente, uma menina passou a mão pelos cabelos e dois meninos sorriram. Eles riram quando se viram no visor da nova descoberta. Apertar um botão não é fácil, cheguei a essa conclusão naquele dia 9 de outubro, enquanto observava o trabalho do  projeto de extensão “Atenção às famílias proprietárias de cavalos de carroça”, juntamente com o Grupo Mulheres em Busca de Vitórias. Eu me escondia atrás da lente e mirava de um lado para o outro, mas, quando a lente encontrava os rostos infantis, era impossível não pensar que eles, apesar da inocência, já haviam visto mais coisas do que eu, vivenciado mais situações. Comparada a eles, eu era a criança que nunca tinha visto nada da vida.

Não foi uma cobertura, foi uma aula e o dia em que eu realmente fotografei.

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