Muito além do 20 de setembro

O tradicionalismo corre nas veias dos gaúchos de uma forma tão intensa e que não se limita a datas comemorativas. Ser gaúcho é um estado de espírito.

O mês de setembro recém começou e as movimentações para o Dia do Gaúcho já estão acontecendo. Porém, os costumes característicos do estado são vividos em qualquer época do ano e representam mais do que um culto às tradições: são sinônimos de amor à cultura e às origens. “Um mundo que preza a bandeira e fez a fronteira com sangue no chão. Eu sou guardião desse mundo de alma guerreira e rédeas na mão, mas de pilcho de paz quando ponteio um violão”.O trecho da música “Gaúcho de Coração”, de Cristiano Quevedo, pode resumir a história e a vivência da cultura pelas pessoas que vivem no Rio Grande do Sul. Seja o churrasco de domingo, seja o chimarrão para fazer companhia, os costumes passam de geração a geração e são cultuados diariamente.

O chimarrão é adotado pela maioria do gaúchos e é um dos principais hábitos que caracterizam a cultura.

Mas por que o tradicionalismo corre nas veias dos gaúchos de uma forma tão intensa, que não se percebe nos demais estados brasileiros? O tradicionalista e estudioso da história gaúcha, Oscar Grau, acredita que isso está relacionado ao contato com as diferentes civilizações. “O gaúcho teve uma formação muito diferente dos outros estados do país. Assim como o Brasil foi descoberto pelos portugueses, nós aqui no Rio Grande do Sul tivemos um contato muito maior com a civilização espanhola, muito diferente da cultura dos portugueses. Por isso nós formamos esta tradição forte. Ser gaúcho é um estado de espírito que nós recebemos como herança dos nossos antepassados”, explica.

Já o patrão do CTG Galpão Amigo de Não-Me-Toque, Celito Zuffo vê essa questão como decorrente de questões políticas. “O Rio Grande do Sul como estado localizado na fronteira do país sempre foi deixado de lado. Ainda hoje presenciamos alguns manifestos de exclusão. Historicamente, nosso foco principal era separá-lo dos demais estados do Brasil”, explica. “Os altos impostos que estavam sendo cobrados sobre o charque, nossa principal fonte de renda, revoltaram a população gaúcha originando assim a Guerra dos Farrapos. Através de movimentos como esse, lutamos pelos nossos direitos. É o orgulho que fomenta esta ideia de cultivar a tradição gaúcha”, acredita.

 Sem fronteiras

É nos CTGs que a cultura gaúcha é vivenciada com mais intensidade. Na foto, integrantes do CTG Lalau Miranda e do Grupo Tebanos do Igaí de Passo Fundo.

Diversos movimentos sucederam a Revolução Farroupilha, como a criação dos Centros de Tradições Gaúchas – CTGs, vinculados ao Movimento Tradicionalista Gaúcho – MTG. Com isso, a cultura se disseminou para outros estados brasileiros e até mesmo para fora do país. Celito conta que em 1947 o Grupo dos Oito, liderado por Paixão Cortes, resolveu defender as tradições. “Os costumes estavam sendo deixados de lado com a entrada de modismos como a Coca-Cola e a calça jeans. Com isso o CTG se mobilizou”.

Na visão de Celito, o povo gaúcho é pioneiro e desbravador. “Vários gaúchos saíram do estado indo a Santa Catarina, Paraná e subindo o Brasil afora. A saudade da nossa querência resultou na criação de centros de culturas em vários locais, como Estados Unidos, China e toda a América do Sul. É com orgulho que vemos em outros estados movimentos até mais fortes que aqui no Rio Grande do Sul. Aqui a tradição está no nosso dia-a-dia e, em outros estados, é festejada justamente na Semana Farroupilha”, compara.

E no futuro?

 Para que a cultura se mantenha viva, é preciso preservar. Para Oscar Grau isso só vai ser possível se as pessoas conhecerem a história.  “Deveríamos ter muito mais formas de estudar a nossa formação, de onde veio o termo gaúcho e esse estado de espírito. Acredito que deveria ser obrigatório em todos os níveis escolares um estudo aprofundado das nossas raízes, das nossas tradições”.

De qualquer forma a tradição evoluiu. Conforme Oscar o gaúcho de antigamente não é o mesmo de hoje. “Nós sofremos influência do progresso, do modismo. O Movimento Tradicionalista Gaúcho tem grandes méritos, mas ele não pode criar regras. Anos atrás encontrávamos bastante diferença entre os gaúchos de diferentes regiões do Rio Grande do Sul: o fronteirista vestia-se de uma forma, o gaúcho das missões de outra e os serranos também tinham suas próprias características. Hoje, com a televisão e os torneiros de laço que os integram, não se faz mais essa diferenciação. É preciso conhecer as origens para que isso não acabe morrendo”, destaca. “Eu sempre falo pros jovens: são vocês quem têm a responsabilidade de guardar nossas gratas tradições”, garante Oscar.

Rolar para cima