Perceber um problema. Ter uma ideia. Procurar uma solução. Essas três ações – que num primeiro momento parecem muito simples – são os primeiros passos dos chamados “agentes de mudança”.
Isso está errado, aquilo não vai dar certo, não pode continuar assim. Perceber problemas é fácil, basta dar uma rápida olhada ao redor para encontrá-los. Eles estão nas ruas, na falta de estrutura e saúde pública, dentro das casas, na carência de educação, ou até mesmo na cabeça das pessoas, pelo preconceito. A questão é: quem irá resolvê-los?
Essa pergunta remete a várias respostas – uma delas, os projetos sociais. Dentre campanhas, grupos de discussão e associações estão as ONGs. Quase todos já ouviram falar nelas, mas estão tão acostumados com essa palavrinha que nem lembram o que ela significa. Uma organização não governamental, segundo a Abong, Associação Brasileira de Organizações não Governamentais, “é uma entidade envolvida na luta por direitos.” Contudo, dizer que as ONGs são responsáveis, sozinhas, pela mudança do planeta é colocar na mão de poucos, se comparado aos 7 bilhões de pessoas no mundo, a responsabilidade pelo bem-estar da humanidade. Porém, são muitas as pessoas que acreditam no poder de mudança de uma ONG. É o que mostra a pesquisa realizada pelo Ibope Inteligência. A pesquisa “Índice de Confiança Social”, monitoramento da confiança dos brasileiros em instituições e grupos sociais, atesta os índices de confiabilidade da população. A pesquisa, que contou com 2002 pessoas entrevistadas, com 16 anos ou mais e em número proporcional ao de eleitores de cada região do país mostra que as ONGs alcançam 64% de confiabilidade.
Uma ONG é uma entidade engajada por um propósito. Seja na área da ecologia, da saúde, seja dos direitos dos homossexuais, elas têm como objetivo o bem comum. Uma pesquisa, de 2005, desenvolvida a partir da parceria entre IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o Instituto de Pesquisa Econômicas e Aplicadas – Ipea, a Associação Brasileira de ONGs – Abong e o Gife Grupo de Institutos, Fundações e Empresas, com base em dados do Cadastro de Empresas – Cempre, demonstra que existem no Brasil 338 mil organizações sem fins lucrativos divididas em cinco categorias: as que são privadas, não integram o aparelho do Estado, as que não distribuem eventuais excedentes, as que são voluntárias, as que possuem capacidade de autogestão e as que são institucionalizadas.
A mudança em Passo Fundo
Se essas ONGs estão espalhadas por todo o Brasil, teriam que estar presentes em Passo Fundo também. E estão. As organizações não governamentais do município abrangem muitas áreas e têm um trabalho reconhecido pela população passo-fundense. Uma delas é a ONG Gesp – Grupo Ecológico Sentinela dos Pampas.
Você lembra quais são as três ações principais de quem promove a mudança? Pois foram justamente essas que moveram um grupo de pessoas no final da década de 70 em busca de um bem comum. Reunindo os mais diversos perfis, desde estudantes e funcionários públicos a donas de casa e comerciantes, o Gesp foi formado. Segundo Paulo Fernando Cornélio, atual diretor da organização, a ideia inicial não estava relacionada apenas à ecologia. “Preocupados não apenas com as questões ambientais, mas armamentistas e de direitos humanos, essas pessoas começaram a se organizar e a se reunir para pensar no que poderia ser feito.” Na época, o Brasil vivia sob o regime militar, o que influenciou primeiramente esse grupo a se mobilizar. “Tínhamos uma pretensão muito grande que era a questão da liberdade.” explica Cornélio.
Mas nem tudo foi fácil. Para oficializar uma ONG – naquela época – havia muitas barreiras. Além da população, que não reconhecia o trabalho como algo importante, a relação com o governo não era boa. “Nós encontramos dificuldades em formar a ONG; em alguns locais nós não éramos bem recebidos. Tivemos problemas na relação com o Estado e o governo municipal da época.” afirma Cornélio, dizendo que o momento político vivido na época não ajudava.
Hoje, a ONG desenvolve vários projetos relacionados principalmente à ecologia. O mais conhecido deles é o Lixo – Problema Seu, que circula na maioria dos meios de comunicação do município. A campanha surgiu em virtude de um trabalho de pesquisa. Os membros mapearam todos os depósitos irregulares de lixo em Passo Fundo e acabaram encontraram 360 pontos, uma quantidade expressiva. A partir disso, o trabalho iniciou. “Está sendo bem positivo porque estamos recebendo bastante ligações do pessoal para denunciar os focos de lixo e através disso estão surgindo outras denúncias, como poda, agressões em rios, aterramento de banhado. Nós sentíamos a necessidade que as pessoas tinham de procurar, mas não sabiam pra quem fazer as denúncias, porque normalmente, quando as pessoas ligam para algum lugar, elas têm que se identificar e aqui a gente faz tudo anonimamente.” explica Cornélio. São feitos ofícios especificando locais e tipos de materiais encontrados. Esses ofícios vão para a secretaria municipal do Meio Ambiente, que, por sua vez, encaminha para a secretaria de Serviços Gerais, que realiza nas áreas públicas a limpeza do local. Já nas áreas privadas, entra em contato com o proprietário do local.
O trabalho da entidade é voluntário. Quem quiser colaborar só precisa ir à sede do grupo e participar das reuniões, mas terá que entender qual o verdadeiro objetivo da ONG. “As pessoas pensam que estamos sempre na rua gritando e brigando, mas nosso trabalho também é aqui, fazendo ofícios, trabalhando no escritório. Somos uma ponte entre a sociedade e o governo.” ressalta o diretor, que sabe a diferença entre agentes de mudança e arruaceiros.
A iniciativa espalhou-se
A luta por um espaço não foi nada fácil para aqueles primeiros integrantes do Gesp, porém, atualmente, oficializar uma ONG não exige tanto esforço. É o que conta Nestore Codenotti, diretor executivo da Convidas. Criada em 2004, a Associação para Conservação da Vida Silvestre nasceu para dar suporte jurídico institucional ao Primaves – Centro de Acolhimento de Primatas e Aves, Bela Vista. “A criação em si não passou de um processo burocrático, sem surpresas.” conta.
Com uma missão de preservação da vida silvestre em geral, de primatas e aves e de seus respectivos habitats, a Convidas desenvolve vários programas. Dentre eles estão o criadouro conservacionista Primaves, a pesquisa de campo, pela Eprim – monitoramento e conservação dos primatas no RS, Extensão, por GTs de representação – participação – institucional, educação socioambiental e divulgação, a loja Primata, atividade comercial e de divulgação – lançada neste mês de abril. Cada um dos programas propõe e desenvolve um variado número de projetos.
Com o crescimento das ONGs nos últimos anos, algumas acabaram sendo criadas com propósitos um tanto suspeitos, que levariam não ao bem comum, mas sim ao roubo de dinheiro. Por esse motivo, existem tantas críticas acerca da validade de tais organizações dentro da sociedade. Porém, é preciso pensar na mudança. Se existe quem não faz, por outro lado, é necessário lembrar daqueles que insistem em lutar.
As ONGs, tanto em Passo Fundo, como em qualquer outro lugar do mundo, são movidas por pessoas que acreditam na mudança. Pessoas, essas, que enxergam os problemas e vão mais além.
