Medos, fobias e traumas: flagelos da modernidade

“Um dos efeitos do medo é perturbar os sentidos e fazer que as coisas não pareçam o que são.” Frase do autor espanhol Miguel de Cervantes no clássico Dom Quixote

Todos têm medo! é algo inerente ao ser humano, já nasce conosco. Ele está presente em nossas vidas não é atoa, trata-se de uma necessidade. É por causa dele que conseguimos nos proteger de uma série de perigos. Se fossemos destemidos e corajosos ao extremo, a manutenção da vida estaria em risco.

A morte é um dos medos mais comuns do ser humano

Trata-se de um forte mecanismo de defesa. E atua com um único propósito: nos proteger de certos perigos. Mas o que é natural pode em alguns casos tornar-se paralisante, isso se dá quando o medo se torna constante, intenso e surge em situações inapropriadas, limitando a ação de vida da pessoa.

Fobias, síndrome do pânico e experiências traumáticas, são problemas cada vez mais comuns, consultórios estão abarrotados deste tipo de distúrbios. Depois de muitos estudos e pesquisas, sabe-se hoje, que todos esses transtornos tem uma relação íntima com o modelo de sociedade em que vivemos. Estão diretamente ligados a depressão, angústia e quadros da ansiedade, verdadeiros vilões do século XXI.

Fobia: A personificação de um pesadelo

Um medo persistente e irracional direcionado a um determinado tipo de objeto ou animal, atividade ou situação que represente pouco ou nenhum perigo. Assim pode ser definida uma fobia. Da mesma forma que o trauma, a fobia também na maioria das vezes, nasce na infância, mas esta não tem uma explicação lógica, pois não há nenhum acontecimento em especial que desencadeie os sucessivos medos.

Estão entre os distúrbios psicológicos mais comuns e afetam mais de 10% da população, em sua grande maioria mulheres. Isso vale para todos os locais onde os dados são pesquisados, a justificativa para os especialistas está ligada ao fato da mulher estar amplamente inserida no mercado de trabalho. Os medos poderiam até existir antes, mas não representavam um empecilho. Uma executiva não pode ter medo de falar em público ou de avião, por exemplo, uma dona de casa poderia conviver com tais fobias sem grandes transtornos.

A fobia ou medo patológico, como também é conhecido, pode provocar aflições apavorantes. Apresenta-se de duas maneiras: como fobia específica, quando se têm pavor de animais, escuridão, seres de outros planetas, água, tempestades, entre outros. Fobia social, onde o exemplo mais claro é o horror de falar em público. E sob a forma de ataques de pânico. O caso mais grave, pois nele o paciente é acometido de sintomas físicos terríveis, sem que saiba identificar o que o ameaça.

A professora de Psicologia da UPF, Christiane Albuquerque de Miranda fala do sentimento da pessoa que nutre esse tipo de medo, “o ilogismo é reconhecido pelo indivíduo, mas o pavor o domina repetidamente e ele não consegue evitar sentir. O sujeito sente uma angústia incontrolável frente ao objeto ou a situação que a provoca”.

Há quem soe frio só de se imaginar dentro de um elevador. E quem não consiga nem pensar em se sentar atrás de um volante. Ambas são atividades bastante comuns e necessárias no cotidiano, não conseguir executá-las pode ser bastante incomodo. Para se ter uma noção do quanto isso pode ser danoso à vida de uma pessoa, basta lembrarmos que nas grandes cidades, o carro já é praticamente uma extensão dos indíviduos, devido à precariedade do transporte público. Na fobia social, o sujeito vê sua vida se transformar em um verdadeiro pesadelo. Conviver com chefe e colegas torna-se algo insuportável, expor opiniões em uma reunião é considerado impossível, existem casos em que a pessoa não consegue sequer comer em público.

Fobias-esaa-600x469“O sujeito torna-se inibido no campo da ação, do comportamento e quase sempre no campo da representação. Este sintoma, a fobia, é também uma forma de defesa, que provoca o deslocamento da angústia originalmente sentida por um objeto, para um objeto fóbico exterior, com o intuito de amenizá-la. O verdadeiro objeto ou situação que provoca este afeto é inconsciente ao sujeito”, explica Christiane.

As causas segundo a professora “são os desejos inconscientes proibidos, de amor e ódio, em relação aos quais o sujeito tem que encontrar uma “saída”, ou seja, ele irá buscar “disfarçar” o motivo real e encontrar um outro objeto, uma situação ou objeto externo que seja aceitável e que possa ser evitado, conscientemente”, pois assim segundo ela, o indivíduo vai sentir que pode aceitar tal medo, mesmo sem relacioná-lo ao motivo real, que desse modo, permanecerá inconsciente à pessoa.

Experiências traumáticas

Os conhecidos e tão comentados, traumas de infância – que por vezes não surgem propriamente na infância – nada mais são que experiências danosas que mesmo com o passar do tempo ainda deixam marcas. Tais marcas passam a exercer uma forte e constante influência na vida de quem as possui.

Parece pouco provável, mas estudos já comprovaram a forte influência que experiências traumáticas em idades precoces exercem na vida adulta de um indivíduo. Por exemplo, crianças vítimas de maus tratos são muito mais propensas a tornarem-se dependentes de certos hábitos ou vícios, como o tabaco, álcool, comida, sexo promíscuo e consumo de drogas. E isso continua mesmo meio século após a ocorrência do fato gerador de determinado trauma.

Até mesmo em casos clínicos, há indícios de que a adversidade nos primeiros anos de vida aumente radicalmente o risco de doença física, incluindo doenças do coração e pulmões, doenças autoimunes, cancro, diabetes, dor crónica, entre outras. Em casos de trauma, a pessoa faz de tudo para que aquela situação não se repita. Dificilmente alguém que quase morreu afogado, vai voltar a mergulhar sem que tenha feito um tratamento.

Algumas fobias, podem inclusive, terem nascido de um trauma. Quando a experiência geradora ocorre em idades muito baixas, é comum que a pessoa não se recorde disso, talvez isso seja possível só por meio de regressões, em que ela irá poder descobrir se seu medo tem uma origem e um fundamento lógico.

Tratamento

Na maioria dos casos de fobia, a ajuda só vai ser procurada quando o objeto ou situação em questão temido for de convívio direto. Algo que não tenha como ser evitado ao máximo, é o caso de quem tem uma fobia a relâmpagos, por exemplo, mais cedo ou mais tarde vai precisar procurar um especialista para buscar uma solução, já que não há como fugir de tempestades.

As fobias são um dos temas de saúde mental mais frequentes e seu tratamento pode variar muito de acordo com a gravidade do caso. As formas são diversas, vão desde as mais tradicionais até algumas bem alternativas em que o paciente precisa estar disposto a se submeter a métodos diferentes.

[stextbox id=”custom” caption=”Síndrome do Pânico” float=”true” align=”right” width=”250″ image=”null”] Quando o medo não tem um objeto definido e simplesmente aparece
sem sobreaviso, ou lhe impede de sair de casa pelo simples dato de ter medo,
estamos falando de Síndrome do Pânico e Agorafobia. Tratam-se de transtornos diferentes,
que merecem tratamentos também distintos dos tratamentos para fobias específicas.[/stextbox]

O primeiro passo é a avaliação. Neste momento é analisado como a fobia está incluída e se ela se adapta à rede de relacionamentos da pessoa, ou seja, observando como a mesma limita a vida do sujeito. “Faz-se necessário um tratamento psicoterápico a fim de identificar o verdadeiro objeto fóbico, que permanece inconsciente, oculto ao sujeito, pois o objeto ou situação a qual o sujeito conscientemente teme nada mais é do que uma substituição, ou representação, do objeto original, que permanece oculto à consciência”, salienta a professora.

Muito se questiona e se busca sobre a origem desse tipo de distúrbio. A partir de que momento a mente do ser humano passou a sofrer tais desordens? E sobretudo, por que isso aconteceu? As pesquisas começaram já faz bastante tempo. Há um século cientistas e médicos se debruçam sobre este tema, movidos por uma ideia: encontrar uma droga capaz de eliminar distúrbios dessa natureza. Por outro lado a Psicologia Comportamental vem encontrando resultados bastante positivos. E assim seguem ambos, somando erros e acertos.

Parque de diversões: o medo como forma de entretenimento

É interessante e um tanto curioso, mas muitos de nós procuramos a sensação do medo como forma de entretenimento. Basta olhar para os parques de diversões, estão cheios, repletos de pessoas em busca de aventura. Mais do que isso, em busca de inúmeras sensações, novas sensações: medo, quedas, vertigens, mergulhamos no desconhecido. E pagamos para viver tudo isso. Para os estudiosos da área sociocultural fatos como esse, mostram uma certa incoerência. Se fugimos do medo, lotamos os consultórios em busca de respostas e auxílio, porque ao mesmo tempo estamos ainda buscando por ele? Seriam essas sensações, componentes indispensáveis para nos sentirmos vivos?

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