Conhece aquele ditado que diz que, “atrás de todo grande homem, existe uma grande mulher.”? Pelo jeito, é isso que George R.R Martin está querendo transmitir com seus personagens femininos em Guerra dos Tronos.
Está cada vez mais difícil encontrar alguém que não goste de livros e seriados com temática épica após o lançamento da saga As Crônicas de Gelo e Fogo (popularmente conhecida como Guerra dos Tronos). Escrita por George R. R. Martin, As Crônicas de Gelo e Fogo é uma série de livros de fantasia épica, iniciada em 1991, mas que teve seu primeiro volume (Guerra dos Tronos) lançado apenas em 1996. Basicamente o romance gira em torno dos Sete Reinos, onde verões duram décadas e os invernos uma vida inteira. A saga mostra as violentas lutas entre dinastias para ter o controle do Trono de Ferro de Westeros. Enquanto isso, nas regiões desconhecidas ao norte da muralha e nos continentes ao leste, ameaças até então lendárias começam a surgir.
Bem, é fácil gostar da saga As Crônicas de Gelo e Fogo. Pode-se dizer que também é fácil ficar maravilhado com a presença feminina inserida nela. Os livros, assim como a série de TV intitulada Game of Thrones, mostram toda a sensualidade e poder da persuasão feminina. Diferentemente do que estamos acostumados a ver em livros de História, nos quais a mulher é apenas um adereço, George Martin parece querer mostrar uma nova mulher, inserida numa época de poucos recursos e direitos para a sociedade feminina. As mulheres de Westeros são extremamente bonitas e conseguem facilmente o que querem. Não apenas por elas serem de belezas exóticas, mas sim por suas fortes personalidades e incansável persistência. Até mesmo as meretrizes retratadas nos livros como pura diversão são donas de seus próprios narizes. As mulheres de Game of Thrones dão força e vida aos romances de uma forma que nenhum personagem masculino consegue fazer. E, indiretamente, elas induzem ou manipulam seus reinos e homens a fazerem aquilo que elas acham que é o certo, e aquilo que creem ser o melhor para elas.
O Nexjor conversou com a professora da Faculdade de Artes e Comunicação da UPF, Margarida Pantaleão sobre como funcionava a questão de direitos e tratamentos da mulher na Idade Média.
Nexjor – Em “As Crônicas de Gelo e Fogo” podemos perceber uma mulher a frente de seu tempo. A mulher da era medieval também era assim?
Dentro da Idade Média, a gente sempre teve uma relação dualista. Ou era céu ou inferno, salvação ou condenação. Então a questão da mulher passa muito por isso. Uma coisa que a gente pode pensar, é que dentro da mulher criada perante uma relação virtuosa, da questão da fé, as pessoas que comandavam o próprio poder, se colocavam abaixo da questão religiosa, pois tinham medo de se sobrepor á essa relação de poder. Então colocar a mulher sempre como uma pessoa que não teve nenhuma forma de atitude e pensamento, seria desconhecer as próprias relações. Temos essa visão da mulher da Idade Media, pois ela era educada dentro de princípios, regras e normas.
Nexjor – Na saga, existe uma personagem chamada Brienne que muito compara-se com Joana D’arc. Era normal naquela época, as mulheres buscarem por ideais diferentes?
Isso é uma questão que advêm do pensamento. Mesmo que eu dentro de um status social e cultural, não ocupe uma função, eu tenho a possibilidade de articular relações. As próprias cabeças coroadas nos mostram isso. A história da Joana D’arc mostra isso, uma mulher com pensamentos, às vezes estranhos pro espaço que ela estava, por isso combatida e rejeitada, mas com ideias e vontades próprias.
Margarida também explica a imagem errônea sobra a prostituição, magia negra, e bruxaria que as pessoas costumavam ter na idade média, e que muitas vezes perdura até os dias de hoje. “Em o Nome da Rosa, a personagem principal é uma pessoa simples, do povo, que foi taxada de bruxa porque foi vista junto a um gato. Na Idade Média existia a ideia de que os animais eram naturalmente bons, ou naturalmente maus. Então às vezes uma relação se estabelece para contextualizar a história, mas que para a personagem passou uma relação de próprio poder. Ela era uma pessoa pobre, que não tinha o que comer, e que prestava favores sexuais às pessoas do monastério para que ela pudesse ter alimentação.”
Game Of Thrones repercute em questões muito maiores, colocando o telespectador a par de um jogo político, no qual alguns personagens se destacam tirando proveito de seu raciocínio e estrategismo político, disse o estudante do 4º semestre de jornalismo, Jaques Petry. “As mulheres são tratadas como inferiores em alguns casos, porém vale ressaltar que, no seriado, três mulheres ganham destaque na trama. Cada uma dela, com características próprias, influenciam em decisões de alguma forma, sendo com uma opinião direta. Cersei é uma das mais influentes mulheres da série por ser a Rainha de Westeros e muitas vezes por chantagear personagens. ”
Elvis Picolotto, de 19 anos, estuda no primeiro semestre de jornalismo e acredita que a série gira em torno das mulheres. “No contexto da história toda, os homens lutam por terras, honra, dinheiro, amor e poder. Mas foram elas que roubaram a cena, justamente por causa desse amor que eles procuram. Me pareceu que todos os acontecimentos marcantes giram ao redor das mulheres, desde a tentativa de assassinato do mais novo dos Stark, que acontece por ele ter descoberto o incesto entre os irmãos Lannister, mostrando como as mulheres são a peça-chave da série.”
Segundo a professora de 39 anos, Franci Aline Barbizan Carra todo herói tem um lado ruim, todo vilão tem algo de bom, “são como as pessoas que nos rodeiam, e o leitor quase pode acreditar que os conhece. Com as mulheres, não é diferente. Apesar da ambientação “medieval” dos livros e consequentemente da série de TV, as mulheres da obra são muito atuais; falam com os homens quase que de igual para igual, lutam, choram, têm direito à herança de propriedades e títulos; algumas usam da beleza e do sexo para conseguir o que querem, outras são muito corretas custe-lhes o que custar; são mães amorosas, invejam a beleza umas das outras, sofrem discriminação, batem e apanham. ”
Ângelo Brusso, de 21 anos, estudante de arquitetura “Mesmo com a história acontecendo em mundo paralelo, pode-se facilmente relacionar com a Idade Média, quando as mulheres eram tratadas como escravas, estupradas e humilhadas. Isso fica claro na imagem de Craster, um senhor que mora além da muralha e se casa com suas próprias filhas e tem filhas com elas em um ciclo de completo tabu. Outras questões polêmicas são apresentadas por Martin, como o incesto entre reis. Não posso deixar de citar Daenerys, uma mulher que se viu obrigada a casar ainda criança, foi abusada, perdeu o marido, o filho, o irmão e, enquanto vagava pelo deserto e parecia que tinha perdido todas as esperanças, eis que nascem seus três dragões.”
Outra leitora assídua da saga é a professora Ana Paula de Moraes Pereira, 26 anos,que percebe na série bastante feminina, personagens complexas e profundas, com muitas histórias interessantes de se interpretar. “Vejo que as personagens são fortes e realmente poderosas, apesar dos ditames da época. Isso começa logo no início com a Arya Stark, que age contrário ao que se espera dela. Diria que as personagens femininas são tão guerreiras quanto os masculinos. Defendem-se e sobrevivem de alguma forma, e são determinadas a conseguir o que querem, seja usando manipulações, inteligência, sensualidade quanto lutando.”
Seja da realeza ou da plebe, uma mulher da saga que merece destaque é Brienne de Tarth. Brienne é simples, leal e determinada, mas também teimosa e crítica. Essa mulher de mais de 1,80 metros de altura, é a primeira que realmente aparece nas linhas de frente, sendo extremamente habilidosa em combate. Apesar de ter uma personalidade estranha, é honesta. Quando se trata do que é ser cavaleiro, Brienne é ingênua. Essa mulher se mantem firme e forte perante os insultos que recebe de muitos cavaleiros. É ridicularizada por ter o rosto feio e considerado másculo, também por não possuir um vestuário tradicional feminino. Ela aspira por aceitação, respeito e uma oportunidade de provar o seu valor por uma causa digna. Facilmente podemos comparar os anseios de Brienne com os das mulheres dos tempos de hoje, como a busca por direitos iguais entre homens e mulheres.
Se a intenção de George Martin era ressaltar o poder feminino, ele está se saindo muito bem. Em nenhum momento o autor deixou de ressaltar as atrocidades que aconteciam com elas na era medieval, mas pela primeira vez, podemos claramente dizer que As Crônicas de Gelo e Fogo, assim como os Setes Reinos e o Trono de Ferro, estarão sempre no domínio das mulheres. São mulheres poderosas e à frente do seu tempo, mulheres que querem mudanças. Independentemente de quais sejam os obstáculos, e por cima de quem terão que passar, elas farão de tudo para chegar ao topo, ou pelo menos colocar alguém lá. Lembra daquele ditado “atrás de todo grande homem existe uma grande mulher.”? Pois bem, agora existe um novo: “atrás de toda grande mulher, existe ela mesma.”
[stextbox id=”custom”]Conheça algumas das poderosas mulheres de Westeros:
Catelyn Tully é a esposa do Senhor Eddard Stark e é Senhora de Winterfell, despreza profundamente o bastardo Jon Snow e é apegada aos filhos, de forma que os defenderia com a própria vida, se for preciso. É orgulhosa, forte, gentil e generosa. É vista por muitos como uma mulher correta e honrada, e tem o dever como um princípio que define o seu comportamento. Entretanto, a visão de amorosa que temos de Catelyn está para mudar no terceiro livro da saga, no qual um acontecimento a leva a adotar o nome de “Senhora Coração de Pedra”.
Cersei Lannister de longe é a mais odiada entre todos os personagens. É uma mulher extremamente egoísta, ambiciosa e politicamente hábil. Além disso, é amargurada pelas restrições que lhe são colocadas por ser mulher. Apesar de ser vista como vilã, Cersei passa por cima de tudo e de todos para proteger seus filhos, mesmo que isso implique praticar incesto. Cersei cresce na saga e consegue finalmente o que queria: transformar seu filho em rei e governar através dele. Porém a Rainha Mãe é uma péssima governante, ela não tem a paciência ou a capacidade de julgamento necessária para a liderança.
Daenerys Targaryen, no início Dany, como é chamada, era assustada e tinha pouca autoconfiança. Começou tímida, receosa da fúria de seu irmão Viserys e do casamento com o selvagem Khal Drogo. Daenerys evolui com a ideia de que recuperar os Sete Reinos é o objetivo de sua vida, e mostra ao irmão que, entre eles dois, é ela quem tem sangue de dragão. Após perder seu marido, Dany ressurge das chamas, literalmente, e passa então a ser conhecida como a Mãe de Dragões, partindo em busca do que é seu por direito, o Trono de Ferro.
Margaery Tyrell teve seu marido assassinado. É uma jovem mulher inteligente e astuta, protegida pela sua esperta avó. O corpo de seu marido mal teve tempo de esfriar,e Margaery fica noiva de Joffrey, o então Rei dos Sete Reinos. Uma das frases mais marcantes de Margaery é “Eu não quero ser rainha. Eu quero ser A rainha”, que demonstra sua garra e força de vontade de crescer na vida.
Osha é uma selvagem que fica a serviço da Casa Stark. Antes tida como ameaça, torna-se grande aliada dos pequenos filhos de Catelyn. Extremamente confiante e esperta, Osha demonstra querer viver mais do que todos; e, por estar sempre suja, mal vestida, com os cabelos em completa desordem, além de ter no rosto um sorriso arteiro, passa a impressão de insana.
Sansa é claramente a dama da saga. Tem grande interesse em música, poesia, canto, dança, bordado e outras atividades feministas. Além de ser uma romântica incorrigível, gosta muito de músicas e histórias, principalmente daquelas que retratam belos príncipes, histórias de cavalaria e de amor. Sansa é calma e obediente, mas sua ingenuidade é o que a leva para o mau caminho. Após sofrer nas mãos de seu amor Joffrey e de sua sogra, Sansa finalmente abre os olhos e começa buscar por sua liberdade e vingança.
Arya é irmã de Sansa, e o seu completo oposto. Arya parece a legítima garota que busca por seus próprios direitos. É animada, com interesse em lutar e explorar; tem uma mente rápida e curiosa. Ao longo dos livros, sua sede de justiça aumenta cada vez mais. Arya consegue fugir das mãos de Cersei e passa a viver como garoto, aprende a lutar, se defender, se alimentar sozinha exibindo grande desenvoltura, astúcia e capacidade de aceitar as duras necessidades e realidades com determinação.
Melisandre é uma mulher misteriosa, confia completamente no poder de seu deus e nas visões que ele lhe concede nas chamas. Ela ataque sorrateiramente todos aqueles que duvidam dela e menospreza os seguidores de outros deuses. Ela toma todo o cuidado de sempre se apresentar como misteriosa, serena e forte, intransponível.
Shae é o amor de Tyrion Lannister e a única que não o vê como uma aberração. A vida de Shae é ainda um mistério, ela não revela quase nada do seu passado nem para Tyrion. Para passar despercebida, Shae virou prostituta do anão Lannister, e começa a trabalhar como escrava de Sansa Stark em Porto Real para que assim possa estar sempre perto do amado.
Ygritte, apesar de mostrar pouca pele e beleza comparada às outras mulheres da trama, é uma moça do povo livre, determinada e de gênio forte. Vive ao norte da muralha sob o comando do “Rei além da muralha”, com os outros selvagens como são chamados. Ygritte se destaca, assim como Arya, por não fazer o papel feminino tradicional, e por “capturar” Jon Snow e viver um pequeno romance com ele. Ygritte é ruiva, o que é considerado pelos selvagens como sorte, porque acreditam terem sido beijados pelo fogo.


