
Aos poucos você acostuma com o balanço e aprende a se equilibrar no que já considera um segundo lar. Os companheiros de viagem viram uma família, e a ausência de um provoca sérios desequilíbrios na vida em “comunidade”. O sono sempre acaba vencendo e, em poucos minutos, o silêncio toma conta do ônibus inteiro. Só quem viaja todos os dias para estudar sabe como é visitar a estrada todos os dias.
Começar uma faculdade nem sempre significa sair da casa dos pais. Muitos estudantes, por falta de dinheiro ou mesmo pelo conforto, continuam morando em suas cidades e viajam diariamente para estudar, transformando as cidades que abrigam universidades em polos educacionais. É aí que começa a vida dentro de um ônibus.
Passo Fundo é desses centros educacionais onde, todos os dias, milhares de estudantes vêm e voltam. Só na UPF, segundo a Assessoria de Imprensa da instituição, são 182 ônibus e 75 vans que acessam diariamente o campus nos três turnos. Entre as cidades que mais trazem universitários para cá, estão Marau, Carazinho, Tapejara, Erechim, Lagoa Vermelha, Soledade e Sarandi.
A UPF é mesmo a instituição que mais contribui com esses dados. Segundo a Assuma – Associação dos Universitários Marauenses – cerca de 1.600 estudantes vêm de Marau para Passo Fundo todos os dias, 1.200 deles estudam na UPF – são 14 ônibus no total – os outros se dividem entre cursos técnicos, pré-vestibulares e outras faculdades. Historicamente, esse número aumenta 10% a cada ano, com um investimento que chegou em2012 acerca de 3,7 milhões. E o detalhe: o transporte é gratuito, o que facilita (e muito) a vida de quem depende dele.
A vida na estrada
Não é uma rotina fácil. Geralmente quem estuda à noite trabalha durante o dia, e as horas perdidas no ônibus acabam fazendo falta no dia a dia dos estudantes. Apesar de todas as dificuldades, exemplos de “viajantes” não faltam.
A estudante de direito, Marta Fantinelli, mora em Getúlio Vargase, diariamente, percorre 50 km para estudar. A rotina da jovem começou em 2010 e teve uma breve interrupção em 2011, quando Marta morou em Passo Fundo, mas logo o ônibus voltou a fazer parte da sua vida. Segundo ela, a rotina é corrida: são 6 horas de estágio diárias, no Fórum da cidade, mais o tempo perdido viajando. Para Marta, a maior dificuldade enfrentada por quem viaja todos os dias é a falta de tempo para estudar e para fazer os trabalhos exigidos na faculdade. “Na verdade a gente perde muito tempo dentro do ônibus, e isso é bem cansativo,” comenta.
Marta conta que, como morouem Passo Fundopor um tempo, viu os dois lados. Diz que já se acostumou de novo a ir e voltar todos os dias, mas que essa rotina é muito mais cansativa: “Quando eu estavaem Passo Fundo, tinha mais tempo, até fazia parte de um grupo de estudos, coisa que agora não consigo participar.”
O estudante de publicidade e propaganda, Vilson Paludo, faz um trajeto duas vezes maior que o de Marta. São100 km para vir de São Jorge, cidade onde mora, estudar em Passo Fundo todas as noites. Na rotina, duas horas de viagem e um detalhe: 25 km dos 100 percorridos diariamente ainda são de estrada de chão. A reclamação também é em relação ao veículo que faz o transporte. Segundo o estudante, a troca foi solicitada ainda em 2009, mas nenhuma atitude foi tomada. Apesar de tudo isso, Vilson afirma que a parte boa existe: “Embora isso pareça desanimador, existe algo que vale a pena, a troca de experiências com os colegas, a convivência, pois nos tornamos amigos de verdade, e também a busca pelo conhecimento que a Universidade proporciona.”
Mas será que existe uma parte boa em toda essa correria? Marta garante que sim: “A parte boa é morar em casa, a comodidade, é bem mais fácil, sem contar que tem a família perto para o que precisar. Já morar em outra cidade é mais difícil, tem que se virar com tudo.”

