“Não como carne, e daí?”

“Tenho certeza de que, se houvesse uma maior divulgação desses documentários e consciência antiespecista, haveria um número muito maior de vegetarianos pelo mundo.”

Chega o fim de semana, e você está louco por um churrasco? Aquela carne suculenta, mal ou bem passada? Não é difícil encontrar quem pense assim, ainda mais aqui no sul do país. Porém, há quem não concorde com esse pensamento, muito menos com essa atitude. Abter-se de ingerir carnes pode ser uma decisão difícil, mas, ainda assim, é a forma de se alimentar que muitas pessoas escolhem.

A população vegetariana é bastante heterogênea, tanto no que diz respeito aos motivos que levam o indivíduo a fazer a mudança alimentar, quanto à diversidade de hábitos que dela resultam.

A nutricionista e professora do curso de Nutrição da UPF, Francine Marchiori, explica que “o vegetarianismo é um sistema de alimentação exclusivamente vegetal, ou seja, exclui todos os alimentos de origem animal (boipeixefrutos do marporcocarneiro, frango e outras aves), mesmo aqueles que não resultaram diretamente na morte do animal”.

Há também alguns tipos de vegetariano: os que consomem leite (lacto-vegetarianos), ovos (ovo-vegetarianos), ovos e leite (ovo-lacto vegetarianos), mel (api-vegetarianos), além dos vegetarianos estritos que são tratados como veganos.

A opção por alimentar-se exclusivamente de alimentos de origem vegetal, como cereais, grãos, verduras, legumes, frutas, sementes e oleaginosas (nozes, castanhas, amêndoas), exige a escolha equilibrada de alimentos saudáveis. Por isso, “a dieta vegetariana deve ser adequada, visando satisfazer às necessidades diárias de proteínas, lipídeos (gorduras), carboidratos (açúcares), minerais e vitaminas”, explica a nutricionista.

Origem

O vegetarianismo teve sua origem na Índia e chegou ao Ocidente ligado à doutrina pitagórica (Pitágoras, matemático e filósofo que encorajava o vegetarianismo). Nas raízes indianas e pitagóricas do vegetarianismo, é vinculada a noção de pureza e contaminação, que não corresponde à visão de respeito aos animais. A sensibilidade em relação aos animais, que condena o seu consumo por motivos morais ou solidários, é recente na história da humanidade e do século XIX, com origem na Europa.

Mas quem optar por esse tipo de alimentação deve tomar alguns cuidados. A nutricionista lembra que “se houver inadequação da dieta, podem ocorrer carências ou excessos desses nutrientes no organismo. Por esse motivo, faz-se necessário o consumo de alimentos em quantidade e qualidade, idealmente orientado por profissional nutricionista.”

Prós e contras 

Francine aponta alguns prós e contras de uma dieta vegetariana:

Prós: Vegetarianos têm redução de riscos de desenvolver doenças cardiovasculares (infarto agudo do miocárdio, acidentes vasculares cerebrais e diabetes mellitus). Os vegetais são ricos em substâncias antioxidantes, que têm papel importante na regulação da imunidade (defesas) e prevenção do câncer.

Contras: Carências de nutrientes, tais como, vitamina B12(anemia perniciosa), ferro (anemia ferropriva), cálcio (osteoporose) e zinco (diminuição das defesas do organismo).

Fernanda Cacenote tem 19 anos e é vegetariana desde os14. A fotógrafa e estudante do 6º nível do curso de Publicidade e Propaganda da UPF conta um pouco como é a vida de uma vegetariana.

Como tudo começou

“Nunca fui súper fã de carne; em churrascos sempre preferi comer salada. Logo, me tornar vegetariana foi uma questão de tempo. O que me motivou a assumir essa postura alimentar foi o meu amor pelos bichos. Certo dia entrei em uma comunidade online de vegetarianismo e comecei a ler mais sobre o assunto. Me interessei bastante, pois vi que, mesmo me tornando vegetariana, eu poderia ter uma alimentação legal e não passaria fome. A decisão final veio quando eu vi alguns documentários sobre vegetarianismo e então decidi que não iria mais compactuar com o sofrimento animal. As pessoas nem pensam muito sobre isso. Tenho certeza de que, se houvesse uma maior divulgação desses documentários e consciência antiespecista, haveria um número muito maior de vegetarianos pelo mundo.”

Do veganismo ao vegetarianismo

“De início, eu adotei o veganismo. A diferença entre o vegetarianismo e o veganismo é que, no vegetarianismo, só se deixa de consumir carne, e no veganismo não se consome nenhum derivado animal (do leite, ovos até o mel e o couro, por exemplo). Minha fase vegana durou 6 meses, porque, além de ser uma dieta deficiente em tudo o que é necessário que o corpo ingira durante o dia, é bem cara. No mercado se encontram poucos produtos de linha vegana, e os que se encontram são caríssimos em função da baixa procura e de poucas marcas abraçarem a causa.”

A alimentação no dia a dia

“Procuro comer da forma mais saudável possível. O problema é o tempo. Comprar o industrializado é muito mais barato e acessível. Sempre que posso, preparo meu próprio alimento.”

Relação vegetarianismo-família

“Quando aderi ao vegetarianismo, não tinha amigos nem ninguém da família que fosse adepto. Hoje em dia, tenho vários amigos que são “vegetebas” ou aderiram por convivência comigo, mas na família ainda não tem ninguém que seja. O que eu percebo é que há um pouco de preconceito com pessoas vegetarianas. Eu não sou o tipo de “vegeteba chata”, que fica pregando a palavra vegetal por aí, mas, ainda assim, percebo que muita gente se irrita com essa prática.

Penso que o vegetarianismo é muito mais que simplesmente parar de comer carne – seja por motivo de saúde, ética alimentar, amor aos bichos, etc -; é vestir a camiseta do antiespecismo, é se identificar enquanto “bicho-grilo”, entrar em contato com a natureza sem tirar dela a vida. Para finalizar, eu não poderia deixar de citar o mestre McCartney, quando ele diz: “Se matadouros tivessem paredes de vidro, ninguém comeria carne.” E, para mim, se o Paul falou, tá falado e assinado embaixo!”

É preciso conhecer

Se você pensa em adotar uma dieta vegetariana, deve consultar um profissional especializado e capacitado para orientar a sua transição dietética. Os nutricionistas que pretendem orientar o paciente vegetariano devem estar bem informados sobre o assunto, compreendendo suas necessidades, respeitando seus hábitos e conhecendo as vantagens e possíveis erros em cada estilo de dieta vegetariana.

Apesar de estudos científicos apontarem de maneira clara para o fato de que qualquer indivíduo, em qualquer fase da vida, pode ser vegetariano, muitos profissionais de saúde ainda propagam mitos. Mulheres grávidas, lactantes, na menopausa, idosos, crianças, atletas, todos podem ser vegetarianos ou veganos, bastando para isso o correto planejamento.

O que colocar no lugar da carne?

Essa é uma das principais dúvidas entre os novos vegetarianos. Um erro comum é achar que a carne precisa ser substituída. Os nutrientes habitualmente fornecidos pela carne (proteína, ferro, vitaminas do complexo B…) devem ser contemplados na dieta vegetariana. O equívoco está justamente nas falsas premissas de que a carne é a principal fonte desses nutrientes e que os outros alimentos seriam apenas um complemento ou uma “substituição”. Tanto no que diz respeito às proteínas, quanto ao ferro e aos outros nutrientes fornecidos pela carne, é possível encontrar fontes tão boas ou até superiores nos alimentos vegetais.

Seja pela descoberta culinária ou pela necessidade de adequação da dieta, o vegetariano percebe a necessidade de explorar novos ingredientes, novas preparações, novas influências culinárias. O desafio consiste em mudar paradigmas: a carne não é o centro da dieta; é apenas uma opção e, quando ela deixa de ser uma opção, é a totalidade da grande gama de alimentos vegetais que será capaz de suprir as necessidades nutricionais.

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