Falar de independência no jornalismo pode parecer difícil. Boa parte das pessoas – até mesmo jornalistas e aspirantes – entende que, para manter um veículo de comunicação, é necessário investir e ter bons patrocinadores, ou, então, ser vinculado a um grande grupo midiático. Só assim é possível fazer com que a empresa jornalística continue funcionando.
Talvez isso tenha sido verdade até alguns anos atrás, mas essa realidade começa a mudar em 1995, com surgimento da World Wide Web. Desde então os modos de trabalho, a economia, a arte, as relações de poder e, principalmente, a produção de conhecimento vêm se modificando.
No meio jornalístico e também de expressão, a ascensão da internet possibilitou que a independência de ideias e do pensamento encontrasse mais espaços para se desenvolver. Na rede, cada indivíduo tem o seu lugar e pode utilizá-lo da forma como melhor entender. É na internet que os veículos independentes – aqueles que não estão vinculados aos grandes grupos de mídia ou a interesses comerciais – encontram seu lugar ao sol.
O Nexjor conversou com o jornalista Alexandre Haubrich, editor do blog independente Jornalismo B, que desde 2007 vem buscando desconstruir o discurso elitista e reacionário da imprensa hegemônica. Na entrevista, Haubrich fala um pouco sobre a trajetória e a linha editorial do blog, e também sobre como é manter um veículo independente em tempos de grandes conglomerados midiáticos. Confira.
Nexjor – Como surgiu o Jornalismo B?
Alexandre – O Jornalismo B nasceu em uma cadeira da Faculdade de Comunicação da UFRGS, em 2007, apenas como um trabalho acadêmico e, com o tempo, foi ganhando amadurecimento até se transformar em um espaço de militância diária pela democratização da comunicação como caminho à democratização real e total da sociedade. Em 2010 nasceu o Jornalismo B Impresso, para complementar o trabalho feito no blog. Enquanto na internet fazemos posts desconstruindo e denunciando o discurso da mídia dominante, no jornal impresso procuramos reconstruir esse discurso a partir de uma visão de esquerda – plural, democrática, popular.
Nexjor – É difícil manter um veículo independente nos dias atuais?
Alexandre – Muito difícil, mas muito recompensador. Na web não há diretamente o problema de custos financeiros – ainda que esses custos existam, eles não são uma dificuldade fundamental –, mas, com a linha editorial que seguimos, estamos frequentemente enfrentando interesses poderosos, e as pressões sempre aparecem. No caso do impresso, somam-se a isso as dificuldades de financiamento e de logística. Mas mais difícil do que a manutenção do jornal e do blog é vencer a batalha que decidimos travar, e essa dificuldade não pode nos impedir de lutar.
Nexjor – A grande maioria das matérias do blog diz respeito a fatos ligados à política e à comunicação.

Essa seria a sua linha editorial ? Existe um determinado público que você busca atingir?
Alexandre – O blog é totalmente direcionado à questão da mídia. Como disse, desconstruímos ali o discurso elitista, alienante e manipulador da mídia dominante, uma mídia estritamente ligada às velhas oligarquias do país, às elites econômicas e políticas. Desconstruir esse discurso, desnudar as mentiras e as intenções dos grandes grupos de comunicação é o papel que, junto com outros veículos e militantes, procuramos desempenhar no Jornalismo B. Não há um público específico para o qual nos direcionamos, mas é claro que determinadas postagens acabam interessando mais a determinados públicos. Por exemplo: uma série de posts que estamos publicando acompanhando a cobertura feita por Zero Hora na campanha para as eleições de Porto Alegre interessa mais a quem está diretamente ligado às campanhas, já que estamos contando, centímetro por centímetro, quanto espaço cada candidato recebe naquele jornal. Nossos artigos sobre movimentos grevistas acabam interessando mais aos trabalhadores organizados, da mesma forma. Mas a ideia é que os textos sejam acessíveis a todos, didáticos o suficiente para demonstrarem com clareza a situação de alienação e opressão em que vivemos, mas completos o suficiente para não se tornarem simplistas e fragmentados dentro de uma realidade complexa em que estamos inseridos e onde atuamos.
Nexjor – Você escreve todas as matérias do blog ou existe espaço para colaboradores?
Alexandre – São vários os colaboradores que participam diretamente da construção do Jornalismo B, fora os incontáveis que participam indiretamente, através de sugestões, ideias, ou mesmo de reprodução de informações que nos levam a outras ou da reprodução do conteúdo que produzimos. Sobre os artigos do blog, temos uma rede de colaboradores, que inclui ativistas de diversos movimentos sociais, jornalistas e blogueiros, que, de acordo com a pauta que precisamos, enviam textos inéditos para publicarmos. Temos ainda uma estagiária e uma fotógrafa, que trabalham mais voltadas para o Jornalismo B Impresso, mas que eventualmente também colaboram com o blog. É no jornal impresso, na verdade, que se dá a maioria das colaborações externas. Dependendo das pautas escolhidas, contatamos pessoas que enviam artigos inéditos para serem publicados no jornal; isso acontece em todas as edições, na maioria das páginas – algumas são ocupadas por integrantes fixos da equipe do jornal, como o Rodrigo Cardia, que, além de escrever, diagrama o jornal como sua função principal, e o Wladymir Ungaretti, que ocupa a contracapa do jornal desde o início da circulação.
Nexjor – Como editor, se tivesse que vincular o Jornalismo B a um grande grupo de mídia, você o faria? Por quê?
Alexandre – O Jornalismo B é um espaço de mídia absolutamente independente, crítica e antimonopolista e assim continuará. A luta contra o monopólio da palavra é justamente a luta contra um modelo de comunicação que possibilita a existência de conglomerados de comunicação que atacam diretamente a possibilidade de existência de liberdade de expressão no país. É a luta contra esse modelo o motivo fundamental da existência do Jornalismo B.
Nexjor – Como você vê a mídia independente no cenário brasileiro? Existe incentivo?
Alexandre – Com a internet a mídia independente encontrou um novo espaço para crescer, mas não devemos pensá-la limitada ao online. É preciso ocupar também cada um dos outros espaços de comunicação, da televisão ao muro. O incentivo estatal ainda é muito pequeno, mas vem crescendo nos estados onde temos governos progressistas, como é o caso do Rio Grande do Sul, ainda que as contradições internas a esses governos impliquem uma certa limitação à expansão desses incentivos. Incentivo de patrocinadores privados existe quase exclusivamente voltado aos jornais de bairro, que são parte importante dessa mídia desvinculada dos grandes grupos empresariais. Mas o incentivo fundamental que deve mover a mídia independente é a consciência (resultado da desalienação) sobre a sociedade opressiva em que vivemos. Essa consciência deve ser o incentivo maior para esse tipo de trabalho, ou será um trabalho no vazio.

Nexjor – Existe um perfil específico para trabalhar com mídia independente, ou qualquer pessoa pode fazer?
Alexandre – Qualquer pessoa tem o direito de se comunicar, um direito que não é respeitado pelo modelo de mídia brasileiro que sustenta o monopólio do direito à voz por apenas onze famílias. Mas, para que uma mídia seja realmente independente, o comunicador precisa estar consciente de seu papel e da importância que tem o trabalho que desenvolve. Quando isso não acontece, está fadado a tornar-se escravo de sua própria desvinculação da realidade e, nesse estado, escravo da ignorância, é escravizado também pelos poderosos de plantão, tornando impossível o exercício de uma reflexão e de uma consequente comunicação verdadeiramente autônoma. Cabe destacar, por outro lado, que independência não quer dizer isolamento. Todos somos influenciados pelo entorno, pelo ambiente, mesmo sem percebermos, e acabamos defendendo, em nossas palavras, algum lado. Podemos escolher esse lado ou deixar que outros escolham por nós. Independência, autonomia, no sentido que colocamos como mídia independente, refere-se a um tipo de mídia que não se submete às elites econômicas e políticas, mas ao povo e à sua voz.
Nexjor – Aos alunos do curso de Jornalismo da UPF…
Alexandre – Malcom X disse: “Se não estás prevenido ante os meios de comunicação, te farão amar o opressor e odiar o oprimido”. Cada estudante de jornalismo deve estar consciente de que poderá, com seu trabalho, reforçar essa enganação ou atuar para transformar a mídia em um espaço de democracia. Estar consciente de seu papel histórico é fundamental para não se tornar um comunicador alienado e alienante. Só existem duas escolhas: estar ao lado do povo ou contra ele. Omitir-se é aceitar que poucos mandem e muitos obedeçam; é aceitar que muitos trabalhem e poucos lucrem; é aceitar que muitas vozes se calem e apenas a voz do poder seja ouvida. É preciso lutar.
