A arte de interpretar

Voz e corpo se unem. Interpretar é fazer um bom teatro.

“Uma caminhada eterna é uma andança, uma espera eterna é uma esperança e um criador eterno é uma criança.” – Márcio Libar.

A voz fala. O corpo também.

Pessoas ansiosas aguardam a abertura das portas e cortinas. Uma peça de teatro irá começar. Nos olhos do público, expectativa. Nos gestos, ansiedade. Geralmente é assim.  Sentir curiosidade, tensão, alegria, surpreender-se; essa é a mistura de sensações que o espectador almeja. Como bônus, recebe uma nova informação, além de alimentar o espírito cultural e cognitivamente. Ir ao teatro é descansar, esquecer-se da exaustão cotidiana. A arte contribui para o bem-estar humano, ela acalma, apazigua e satisfaz.

O teatro é típico receptáculo das emoções, uma “arte plena”, já que o espectador usa  seus diferentes sentidos: ouve, vê e, claro, sente – não nessa ordem ou necessariamente da mesma forma. Cativar é o objetivo do ator. Do espectador, ser cativado. O ator Lázaro Menezes, 30 anos, diz que “o ator quer amar e ser amado pelo público” e explica que esse sentimento é, na verdade, o que todo ser humano deseja.

E essa busca pela troca de sentimentos faz com que Passo Fundo traga cada vez mais peças teatrais – muitas elaboradas por atores e diretores do próprio município.  Entretanto, muitas pessoas não compreendem o teatro como uma profissão,  que, de fato é. E investir nessa área é uma escolha e procura individual, já que não há cursos de artes cênicas no município, nem instituições que ofereçam esse ensinamento.

O ator Lázaro Menezes no Criança Esperança

A mestre em Educação e Teatro, Cilene Potrich, que ministrou aula no Curso Superior de Tecnologia em Produção Cênica , ativo no período de 2008 a 2010, na Universidade de Passo Fundo, explica por que não há uma formação dessa especificidade na cidade: “Em geral, os pais de estudantes que fazem Cursos Superiores relacionados com as artes, e dentro deles o teatro, se preocupam com o “futuro econômico” dos filhos.  Para poder cursar Produção Cênica, muitos dos alunos tinham que estar fazendo também outro curso superior, para ‘ter uma profissão’, o que fez com que muitos deles desistissem”, de forma que o curso não progrediu.

Com experiência – de anos nas costas, Lázaro conta que não teve uma formação específica para ser ator: “Comecei dançando em um grupo tradicionalista, muito tímido e envergonhado, mas como eu aprendia tudo muito rápido, logo aprendi a dançar. Como era hiperativo, sempre estava fazendo diversas atividades, aprendendo uma coisa aqui, outra ali. Fiz balé clássico e ginástica olímpica, além de participar das atividades na escola, uma delas, o teatro – representando datas comemorativas. Desde muito cedo eu representava a escola em apresentações e declamando.”

Com o ator Robson Prestes, 24 anos, não foi diferente: foi uma busca autônoma pela arte,  sem apoio. “Eu comecei a querer lidar com a arte, quando vi o primeiro espetáculo, em São Paulo. Tinha uns nove anos quando vi um musical do Chico Buarque: A Ópera do malandro. Já dançava em invernada desde cedo, e depois fiz balé, quando surgiu a oportunidade de trabalhar com a Cia da Cidade, em 2005 com uma coreografia. Depois dali, vim trabalhando com eles” e, aprendendo novas formas de arte, como a perna de pau e atuações em como ator propriamente.

A opção de escolher o teatro e poder seguir nessa área nem sempre é fácil, principalmente em um meio  que não o compreende. Contudo, Robson acredita que ela vem progredindo em Passo Fundo devido à grande demanda de peças teatrais, mas acredita ser um processo gradativo, ou seja, virá aos poucos.

Fazendo Arte

Há teatro mudo, porém nunca teatro sem movimento.

Dança, ginástica e esportes são os principais canais para se chegar ao essencial do teatro: o ritmo. O teatro é corpo e o corpo precisa de ritmo, como explica Lázaro: “O teatro nada mais é do que corpo e a voz, mas principalmente o corpo. Sem o corpo não se faz teatro, sem a voz se faz”. Além do corpo e do ritmo, Cilene explica que “no teatro a pessoa não precisa ter necessariamente dom e, sim, disciplina” e complementa: “o instrumento de trabalho do ator é a sua voz e o seu corpo”  que não funcionarão sem trabalhar e desenvolvê-los, já que a “formação” do ator e da atriz faz toda a diferença.

Robson Prestes em "O desejo entre o fogo e a luz"

E, por ser o ator o instrumento do seu trabalho, o foco nos cursos de arte cênica é principalmente a voz, o corpo e a interpretação – logo, o ritmo. Como explica Cilene: “Ator não pode fingir que interpreta. Tem que interpretar” e lembra que o corpo é importante: “O corpo tem que ser flexível. Um corpo que pode mostrar tanto momentos trágicos, quanto momentos cômicos” e acrescenta: “O corpo tem que falar tanto quanto o texto fala”.

Além do corpo, Lázaro acredita que, apesar de cada ator e atriz serem diferentes, o ideal é ser um ator completo. “Acredito em um ator que toca, que canta, que dança, que interpreta. Que faz o que precisar fazer. Eu acredito nessa versatilidade na formação do ator” e, para esse ator ser versátil, é necessário estudar, como enfatiza Cilene: “Um bom ator, uma boa atriz tem que estudar. Estudar filosofia, história, saber em que mundo vive”. Lázaro concorda. “Um ator nunca pode parar de estudar. Para progredir é necessário”. E Robson conclui: “Quando vamos fazer uma peça, estudamos muito, procuramos saber, entender. Lemos bastante para aprender”. Exemplifica com a peça encenada por ele e sua equipe: Canalhas – uma peça inspirada em Nelson Rodrigues.“Encontrávamos-nos todas as noites para ler e aprender sobre Nelson Rodrigues durante aproximadamente três horas”, e o estudo funcionou, prova disso é o sucesso da peça.

Satisfação

O teatro é satisfatório para quem atua e para quem assiste. Não existe ator por falta de opção profissional: o ator ou atriz opta pela arte por adorar o ofício. Por adorar o que faz, Lázaro cita Cervantes: “O que importa é ser fiel a minha causa” e complementa. “Se você é fiel a sua causa, nada pode dar errado. Mas se você, sem dúvida alguma, é fiel ao que você quer fazer”.

Lázaro Menezes em "Till Eulenspiegl"

Fazer o que quer é privilégio de poucos e ocasiona satisfação pessoal e prazer. A vida se torne mais leve e, consequentemente, mais alegre. Robson conta que antes de entrar no palco a sensação é de nervosismo. “O que menos se quer naquele momento é subir no palco”, mas quando encontra o palco tudo muda. “Quando entra (meu Deus!), tu não quer sair. É um orgasmo!”. Como um banho no inverno, reluta-se até o fim para não entrar em baixo do chuveiro, porém, quando se está lá, não quer mais sair.

No palco o ator encontra o público. É nesse momento que ocorre a troca, pois o ator está ali para dar e receber algo, da mesma forma que o público.  E é nesse instante que ocorre a mescla de sensações. Quando a “alma” de ambos, espectador e ator, se alimenta, uns de conhecimento, outros de alegria e todos de satisfação. E, então, podem voltar ao cotidiano, porém alimentados.

 

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