E se você morresse amanhã?

Com o pessimismo à flor da pele e a adoração pela morte, Álvares de Azevedo foi um dos poetas da segunda geração do Romantismo no Brasil – também denominada “mal do século”

O que faz um escritor que nasceu há quase dois séculos ser lembrado até hoje? Por que alguém que viveu apenas duas décadas deixou um legado que ganha notável espaço nos livros de literatura do ensino médio e tem seus poemas e contos como referências ao se falar do Romantismo no Brasil? Álvares de Azevedo produziu obras encharcadas de pessimismo e adoração pelo sofrimento: exemplo perfeito para ilustrar o sentimentalismo exacerbado do período literário do país.

Nascido em São Paulo, no dia 12 de Setembro de 1831, Manuel Antônio Álvares de Azevedo era contista, dramaturgo, poeta e ensaísta. Passou a infância no Rio de Janeiro e voltou para a capital paulista em 1847, para estudar Direito. Durante a trajetória acadêmica, Álvares de Azevedo traduziu obras de Shakespeare e Lord Byron, além de fundar a revista da Sociedade Ensaio Filosófico Paulistano (1849). Foi também nessa época que o contista fez parte da Sociedade Epicureia  e iniciou o poema épico O Conde Lopo do qual só restaram fragmentos.

A graduação, no entanto, não foi concluída. Álvares de Azevedo faleceu aos 20 anos, no dia 25 de Abril de 1852, vítima de tuberculose pulmonar. Influenciado por Lord Byron, Goethe, François-René de Chateaubriand e Alfred de Musset, produziu diversos poemas, que apresentavam o gosto pela morte, religiosidade e pessimismo exacerbado – característicos da segunda fase do romantismo -, e alguns contos, como Noite na Taverna – publicação póstuma.

Em seus poemas, o patrono da cadeira 2 da Academia Brasileira de Letras imprimia ares sarcásticos à sua poesia, aliados as ideias de autodestruição, morte, dor, amores irreais e donzelas virgens. A infância também é retratada em seus poemas, mas de maneira melancólica e saudosista. Em 1851, a aceitação da ideia de morte era tão intensa, que ele escreveu cartas para a mãe, as irmãs e os amigos, alertando para o trágico destino.

180 anos após o nascimento do responsável pelo “mal do século”, conheça um pouquinho mais sobre Álvares de Azevedo por meio de trechos de suas principais obras:

[stextbox id=”custom” caption=”Se eu morresse amanhã…”]

Se eu morresse amanhã, viria ao menos

Fechar meus olhos minha triste irmã;

Minha mãe de saudades morreria

Se eu morresse amanhã!

Quanta glória pressinto em meu futuro!

Que aurora de porvir e que manhã!

Eu perdera chorando essas coroas

Se eu morresse amanhã!

Que sol! que céu azul! que doce n’alva

Acorda a natureza mais louçã!

Não me batera tanto amor no peito

Se eu morresse amanhã!

Mas essa dor da vida que devora

A ânsia de glória, o dolorido afã…

A dor no peito emudecera ao menos

Se eu morresse amanhã!

[/stextbox] [stextbox id=”custom” caption=”Noite na Taverna”]

Um outro conviva se levantou.

Era uma cabeça ruiva, uma tez branca, uma daquelas criaturas fleumáticas que não hesitarão ao tropeçar num cadáver para ter mão de um fim.

Esvaziou o copo cheio de vinho, e com a barba nas mãos alvas, com os olhos de verde-mar fixos, falou:

— Sabeis, uma mulher levou-me a perdição. Foi ela quem me queimou a fronte nas orgias, e desbotou-me os lábios no ardor dos vinhos e na moleza de seus beijos: quem me fez devassar pálido as longas noites de insônia nas mesas do jogo, e na doidice dos abraços convulsos com que ela me apertava o seio! Foi ela, vós o sabeis, quem fez-me num dia ter três duelos com meus três melhores amigos, abrir três túmulos àqueles que mais me amavam na vida — e depois, depois sentir-me só e abandonado no mundo, como a infanticida que matou o seu filho, ou aquele Mouro infeliz junto a sua Desdêmona pálida!

Pois bem, vou contar-vos uma história que começa pela lembrança desta mulher…

Havia em Cadiz uma donzela… linda daquele moreno das Andaluzas que não há vê-las sob as franjas da mantilha acetinada, com as plantas mimosas, as mãos de alabastro, os olhos que brilham e os lábios de rosa d’Alexandria sem delirar sonhos delas por longas noites ardentes!

Andaluzas! sois muito belas! se o vinho, se as noites de vossa terra, o luar de vossas noites, vossas flores, vossos perfumes são doces, são puros, são embriagadores, vos ainda o sois mais! Oh! por esse eivar a eito de gozos de uma existência fogosa nunca pude esquecer-vos!

Senhores! aí temos vinho de Espanha, enchei os copos: — à saúde das Espanholas!…

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