A turma se renovou. “Gezinho” cresceu. Foi nesse ano que o filho já não pode mais contar com a companhia de seu pai, mesmo que antes fosse apenas para as “noitadas”. O mecânico foi preso, o que levou a separação do casal. O adolescente tornou-se independente, mesmo sempre tendo feito o que desejou. A mãe mudou-se para o litoral catarinense a procura de emprego.
-Faz um três anos que eles tão separado (sic).
Quanto ao histórico de homicídio, não foi diferente com o menino que acompanhava o grupo desde seus dozes anos de idade. Já fazia três anos que estava inserido nesse contexto de extermínio. Era natural andar armado, pelo menos com uma faca. A violência também era habitual, como forma de proteção. Não existia apenas um grupo, ou apenas uma gang na cidade. A rivalidade emula a violência. Agora “Gezinho” estava nessa tensão de manter-se vivo e proteger sua galera.
-Eu tinha brigado com um outro pia lá na rua. Daí o primo dela veio lá de Curitiba. Ele já morava lá. Daí ele veio de Curitiba pros dias das mães. Daí me encontrou na praça e veio na minha. Eu tava com uma faca e dei umas facada nele.
-Eu conhecia ela de vista só. Das vezes que via ela na rua.
Ela e dela:
O menino esfaqueado tinha uma prima, Ela. Guilherme a conhecia de vista, mas nunca havia colocado Ela em seus planos, quaisquer eles que fossem e se existissem. Muito menos agora, que precisou fugir para não ser preso por tentativa de homicídio ao primo dessa garota que mudaria sua vida. Mais de 100 quilômetros longe da sua cidade natal, aos 15 anos, Guilherme voltou a se esconder. Agora era o momento em que não podia ser notado. Era questão de sobrevivência deixar de ser “Gezinho” e voltar a assumir a identidade de Esquecido Ladrão Drogado, que agora era procurado pela polícia.
-Ela me ligava pra saber onde eu tava, por causa do primo (sic). – esclarece com os olhos brilhando, como quem fala de sua amada.
Os telefonemas passaram a ser frequentes. O primo esfaqueado já não era assunto principal. Ela, através da relação iniciada por telefonemas, é que levou Guilherme a ressignificar sua vida. Foi quem trouxe a ele o sentimento de viver. O convenceu a voltar para sua cidade natal e responder pelos erros. E ele, ao admitir, assumiu também o namoro com Ela. Iniciou seu tratamento em uma clínica para dependentes químicos.
Hoje, com 16 anos, cumpre medidas sócio educativas e presta satisfação ao estado pela infância roubada. Passou pela Fundação de Atendimento Sócio-Educativo – FASE, onde permaneceu seis meses. Por bom comportamento, há três meses, Guilherme encontra-se no processo de ressocialização. É um dos 10 jovens entre 14 a 21 anos de idade que, como segundo passo, habita a casa socioeducativa de atendimento a jovens em conflito com a lei, como processo de semiliberdade. Sim, aqui ele vive. Só não permanece na casa nos momentos em que está na escola e no curso de soldador.
-Quero trabalha. Fica com minha namorada. Ela ta me apoiando desde que cai aí. Dá valor pra ela e monta minha vida de novo. Agora eu quero terminar de estuda e quando sai daqui quero cursa uma faculdade (sic).
– Eu quero sair, estudar, cursa a faculdade de Direito e trabalha neste processo de crime e ajuda outros jovens e constituir uma família (sic).
Guilherme já consegue projetar seu futuro. Não permanece mais na velha e caduca realidade embaçada, que era cheia de incertezas. “Hoje eu sei que a droga não leva a nada”, relata “Gezinho” quando fala do futuro ao espelhar-se no seu passado.
– Eu deixei de fazer várias besteiras por causa dela (sic).
– É bom afastar desta vida enquanto é tempo e vai estudar, trabalhar e sonhar (sic).
O olhar brilhante do menino vence as inseguranças que são representadas pelos seus braços cruzados. No anseio de sonhar o amanhã, faz brotar a esperança da utopia movedora capaz de romper barreiras impostas por um passado sombrio. O menino já não é mais criança, mas tem a graça de sustentar a naturalidade da transparência. Se sorrio, é por que estava alegre. Se calou, refletiu. Seu calar, como também seu falar, revelam marcas das perdas que o constituíram. Ela, hoje sua namorada, o espera todos os finais de semana. A vida continua.
– Ao volta pra sociedade, vou pensa bem antes de faze o que eu fazia. Pretendo mudar, vou mudar (sic).
Volte para a página inicial de As cercas e os muros de Guilherme: uma infância despercebida
