A ajuda vem do céu

“Afogar” o santo Antônio, é uma das práticas religiosas para conseguir um amor.

Há quem diga que ele casa mesmo. Outros dizem ser apenas superstição, uma lenda passada de geração para geração. Entre tantos mitos e verdades, o que sabemos, mesmo, é que Santo Antônio, vulgo casamenteiro, é um dos santos mais aclamados pelo povo brasileiro. E um dos mais judiados também.

Fernando de Bulhões (verdadeiro nome de Santo Antônio de Pádua) nasceu em Lisboa por volta de 1195. Era de família rica, vivia entre luxos e regalias, tinha tudo para constituir família e seguir aumentando as suas riquezas. Já, aos 15 anos, decidiu largar toda essa mordomia e ingressar na vida católica. Em 1220, adotou o nome de Antônio, passando a ficar famoso pelas suas pregações – tão disputadas, que modificavam o cotidiano de algumas cidades-, aumentando sua fama de santidade. Apesar de seus sermões não conterem nada sobre casamentos, sua “carreira” de casamenteiro se deu pelo fato de ele ajudar moças humildes a conseguirem dotes e enxovais para o casamento.

Reza a lenda que uma moça, muito bonita por sinal, já havia perdido as esperanças de encontrar um marido. Desesperada, pôs a imagem do santo em um pequeno oratório, colhendo e oferecendo flores a ele todos os dias – sempre pedindo ao santo que lhe trouxesse um marido. Entretanto, meses e anos se passaram, e nada da moça casar. Magoada com o descaso do santo, ela atirou a imagem dele pela janela. Naquele momento, um jovem que passava ao lado da casa acabou sendo atingido na cabeça pela estátua. Após apanhar a estátua e devolver à moça, eles se apaixonam. Então, se passou a atribuir a chegada do moço ao Santo Antônio.

É por histórias contadas como essa que, ao longo dos anos, cansadas de esperar por alguém, ou de nunca ser atendidas pelo santo, as mulheres costumam castigar a imagem do santo. Um dos castigos mais usados é colocar o santo padroeiro, de cabeça pra baixo, dentro de um copo d’água; ou tirar o Menino Jesus do colo dele, devolvendo apenas quando encontrar um amor. Em alguns dos casos, costuma-se, também, colocá-lo, dentro do congelador. Pela crença popular, sempre funciona. Mas será que é sempre?

Crença ou superstição?

Antes considerado milagroso, e muito invocado por alguns “desesperados”, Santo Antônio parece, agora, estar perdendo sua credibilidade. Não que a fé esteja sendo deixada de lado, ou que o santo não tenha perdido seu título de santidade, mas é como diz Aglair Souto, cabeleireira de 54 anos: “Uma amiga minha era evangélica  e ganhou um Santo Antônio. Como para eles é proibido ter santos, ao invés de jogá-lo fora, ela me deu e disse para tirar o Menino Jesus, depois colocar o santo de cabeça pra baixo dentro de um copo d’água. Passou tanto tempo, que, quando fui ver, a cabeça do santo tinha derretido. Tenho fé, acredito em santos, mas não fiz acreditando que iria dar certo, fiz só pra testar a simpatia. Tanto que estou até hoje encalhada. Acho que o santo se revoltou”.

Acreditar em auxílios milagrosos, em soluções rápidas de problemas, é uma característica muito forte de boa parte do povo brasileiro. Muito se vê por aí o fato de não ter um namorado ou marido, atribuído á falta de ajuda do santo. Para a estudante de 19 anos, Karol Barbisan, fazer essas simpatias “é coisa de gente neurótica, desesperada e normalmente com problemas emocionais. Sou cética demais pra acreditar que brincar com um boneco vai te trazer um namorado. Caso traga, vai ser alguém estranho e, não vai ser pelo santo, ou qualquer coisa que tu fizeres, e sim pela sua excentricidade.

Cansadas ou não de apelar para o santo casamenteiro, é muito raro encontrar histórias de simpatias, relacionadas a ele, que tenham dado realmente certo. Todavia, esses contos – verdadeiros ou não -, que por muitas vezes são vinculados e contados ao longo dos anos, passam aos nossos olhos como uma certeza do poder do santo. A comerciante Marli de Andrade, de 40 anos, disse que não teve necessidade de chamar o santo, “Mas se tivesse certamente eu faria. Acho bonito essas histórias do Santo Antônio. Acredito que realmente dê certo.”

Para Sirlei Seganfredo, de 50 anos, práticas apelativas envolvendo a imagem do santo eram mais comuns, há mais ou menos 30 anos, “Casei cedo, com 19 anos. Naquela época, moça que chegava aos 25 anos, solteira, era titia. Então, não tive necessidade, mas se ouviam muitas histórias de mulheres que faziam isso por medo de ficarem sozinhas e mal vistas pela sociedade” 

O que temos de conhecimento por enquanto é que Santo Antônio de Pádua ajudava as pessoas a conseguirem o que queriam, passando-lhes sermões com o tema familiar, até incentivando-as a constituírem uma. Ao ser questionada, se já havia feito alguma simpatia, ou se acreditava no poder matrimonial dele, a bancária Keila Zaparoli, de 21 anos, disse: “Nunca fiz nada. Só sei que estou chamando o santo faz tempo.”

O que podemos perceber nos dias de hoje é que as pessoas deixaram de correr atrás de seus objetivos e entregaram sua sina nas mãos de uma entidade, que até então não se sabe, se realmente possuí “poderes milagrosos”. Sendo assim, mesmo considerada uma crença antiga, e não estando tanto em evidência, as pessoas não costumam mais castigar o santo. A fé continua intacta, e ainda existe aquela réstia de esperança. Mas é como diz um velho ditado: “As coisas não caem do céu”.

Rolar para cima