Sonho meu

O homem busca entender o significado dos sonhos há milênios. Ao contrário do que se acreditava, o sonho não prevê nenhum tipo de futuro, mas traz a tona questões do passado

Feche os olhos por um instante. O que você vê? Se assim, quando acordado, nada pode enxergar, quando está dormindo o nada se multiplicará, certo? Sim, para os olhos de sua consciência. Não para o seu inconsciente. O sono é dele. É quando fechamos os olhos e nos entregamos ao cansaço que o inconsciente passa a agir em nossa mente, através de situações do cotidiano, revelando questões que, por vezes, passam desapercebidas aos nossos olhos. Mas… o que sonhamos? Quando sonhamos? Por que e como sonhamos? Todo o material onírico é decisivo para a formação da personalidade. No sonho, tudo aquilo que buscamos trancafiar em baús dentro de nossa consciência é solto de suas algemas e dança livremente pela nossa cabeça, mesmo que ao som do despertador você não se lembre de nada disso.

Desde o tempo das cavernas, os sonhos foram objeto de estudo e de tentativas de interpretação. Seu significado real e concreto, porém, manteve-se um mistério. A filosofia tentou dar um rumo mais questionador aos sonhos. A religião lhe atribuiu um caráter significativo e, por vezes, eram vistos como previsões ou avisos. No decorrer da história, milhões de páginas foram escritas buscando a compreensão do fenômeno, muitas delas, no entanto, são pertencentes a livros amadores que buscam adivinhar significados a partir de relações infundadas.  O fato é que, desde o sílex, os sonhos vêm intrigando o ser humano e o próprio ato de sonhar interfere potencialmente na vida das pessoas: representa algo e revela algo. “O sonho não deve ser interpretado fora do contexto em que o sujeito se encontra”, como explica o psicólogo e ,estreem Psicologia Clínica, Luiz Ronaldo Oliveira. Para ele, a contextualização do sonho é essencial para um resultado satisfatório: “O profissional que for utilizar o material onírico no processo clínico precisa estar preparado e situado para auxiliar as pessoas relacionando os sonhos com a vida real. Os sonhos auxiliam na elaboração do material traumático e consequentemente podem diminuir os sintomas e superar a dor psíquica”, declara.

Essa história, no entanto, iniciou muito antes de você ter consciência do que é dormir e acordar. Acredite ou não, no útero de sua mãe, você já sonhava. Uma edição da Revista Superinteressante, de julho de 1998, revelou que um ultrassom identificou, pelo movimento ocular do feto, que ele passa dormindo 16 horas por dia. Desse tempo, 65% são feito de sonhos.  Segundo o neurologista Rubens Reimão, fonte da revista, “o final da gestação é a época em que se estabelece a maior quantidade de sinapses, as transmissões entre um neurônio e outro” e complementa: “E, para que elas se formem, é preciso estímulo. O sonho é um momento de atividade intensa do cérebro que favorece a criação das sinapses”. Não se sabe exatamente o conteúdo dos sonhos, imagina-se que experiências vividas dentro do útero sejam o foco do sono dos bebês.

Mas o que são sonhos?

Sejam bebês ou adultos o princípio é o mesmo: O sono em si é dividido em etapas que são classificadas de acordo com a intensidade ou profundidade do adormecer. Os sonhos mais vívidos e intensos, enquanto “produção cerebral”, acontecem durante o sono REM ou rapid eye movement – traduzindo: movimento rápido dos olhos. Os olhos movem-se muito rápido equiparando-se às atividades cerebrais que acontecem quando se está acordado. Psicologicamente, “o sonho é uma produção psíquica que vai apresentar algumas informações daquilo que chamamos de inconsciente do indivíduo” explica a professora, psicóloga e mestre em Psicologia do Desenvolvimento, Christiane Miranda. O sonho, segunda ela, é feito de imagens e raramente de sons. Além disso, é atemporal: “você pode sonhar com uma situação que aconteceu há muito tempo, mas transportada para a escola que visitou na tarde de hoje, por exemplo”, explica Christiane e resume: “É uma forma de manifestação do inconsciente”.

O sonho, enfim, não é constituído por imagens reais, mas sempre busca no cotidiano algo que estimule o início da viagem, aquilo que se denomina, na psicologia, ‘gatilho do sono’. “A pessoa sonha com algo que aconteceu durante o dia, mas nesse sonho vai haver uma transformação das situações ou das pessoas justamente porque haverá uma censura que vai impedir que aquele conteúdo do sonho se apresente de uma maneira bem direta, real e verdadeira”, comenta a psicóloga. O sonho é, portanto, o resultado de uma atividade cerebral inconsciente que interfere no processo do sono. A psicologia freudiana não vê, então, o sonho como um aviso. “O sonho não prevê nenhum acontecimento,mas, liga-se à realidade psíquica do sujeito”, explica Luiz Ronaldo.

O sonho de Freud

Freud, pai da psicanálise (Foto: Divulgação)Sabendo o que é e como acontece o sonhar, restava descobrir o que ele significava.  Por fim, o sonho só perdeu a caracterização intuitiva e sem base por volta de 1900. Sigmund Freud, médico neurologista e pai da psicanálise, atribuiu ao sonho uma personalização científica ao tentar compreender a fundo os bastidores do ato. A interpretação dos sonhos é, ainda hoje, base dos estudos da psicanálise e norte fundamental da compreensão psicológica do sonho. No livro, Freud descreve o sonho como uma representação simbólica de desejos e necessidades escondidas que, de forma simulada ou não, são satisfeitas no campo psíquico.

Luiz Ronaldo destaca a importância de Freud para a psicanálise e comenta que foi a partir de A interpretação dos sonhos que “o fenômeno do sonho foi concebido como paradigma de um funcionamento normal da mente e, ao mesmo tempo, como expressão psicopatológica” e continua: “Foi possível questionar o limite entre o normal e o patológico utilizando o material onírico no entendimento dinâmico da personalidade, principalmente no que se refere aos sintomas histéricos”, conclui. Hoje a psicanálise caminha pelos sonhos para compreender a origem de sintomas e traumas – os sonhos seriam uma via rápida para chegar ao inconsciente.

Christiane e Luiz Ronaldo reafirmam a teoria de Freud: os sonhos seriam espécies de revelações de desejos escondidos ou camuflados. “O significado tem a ver com a realização do desejo de uma pessoa. E se esse desejo não está sendo efetivado na vida real, por impossibilidade ou também por talvez causar algum mal estar para a pessoa, não pode passar conscientemente. Então aparece através do sonho”, explica Christiane. Aliado a isso, o sonho seria uma forma de descarregar toda a tensão vivida durante situações pesadas, como tentativa de aliviar ou abrandar sentimentos. Luiz Ronaldo complementa: “Freud percebeu que os pacientes relatavam situações referentes aos sonhos, que demonstravam desejos moralmente proibidos ou desafiadores, ou seja, constatou que durante o sono diminuíam as barreiras do proibido, do recalcado em um lugar chamado inconsciente”.

No entanto, interpretação e contextualização são essenciais. Se você sonha, por exemplo, que você mata alguém, não significa necessariamente que você deseje ser um assassino. Talvez, a vítima em questão ofereça algum tipo de perigo para você e, durante o sonho, a sua defesa assume uma forma um tanto quanto diferente. “Pode ser a elaboração de angústia. Tem-se medo da morte, sonha-se com isso. É uma forma de descarregar a tensão relativa a esse tema”, explica Christiane.

Se você sonha, por exemplo, que você mata alguém, não significa necessariamente que você deseje ser um assassino. Talvez, a vítima em questão ofereça algum tipo de perigo para você e, durante o sonho, a sua defesa assume uma forma um tanto quanto diferente.

A psicologia se vale fortemente das teorias de Freud e Luiz Ronaldo explica que “ensina-se sobre os sonhos para auxiliar os futuros profissionais da psicologia a entender que o comportamento humano é dinâmico e pode ser entendido nesta dinamicidade”. O inconsciente se liberta. “Os sonhos são uma descarga do inconsciente para trazer para consciência algo que já vivemos. É importante estudar essa parte da psicanálise porque o sonho é um conteúdo importante para as pessoas e para compreender o que elas trazem consigo. E, por meio de Freud, o sonho passou do senso comum para uma teoria puramente psicológica.”, destaca Priscila da Rosa, estudante de psicologia.

A produção onírica transforma as situações, ajusta contextos e revela questões a serem trabalhadas. A psicologia busca aliar o consciente dos relatos ao inconsciente dos sonhos para fazer uma abordagem clínica sobre o paciente. Seja na Idade Antiga, na época de Freud ou hoje, sobre os nossos sonhos nós não tivemos, não temos e, provavelmente, não teremos controle.

[stextbox id=”custom” caption=”Os nossos sonhos“] O que você costuma sonhar?
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38 pessoas sonham com assassinato, acidentes ou fracassos pessoais
23 pessoas sonham com namorado, família, amigos ou animais
16 pessoas sonham com situações de voo, pulo ou direção
11 pessoas sonham com pessoas que já morreram
8 pessoas sonham com festas, dança ou músicas
4 pessoas sonham com coisas que aconteceram durante o dia[/stextbox]

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