O que homens e mulheres com mais de 65 anos enfrentam em uma viagem de ônibus.

Tomar um ônibus. Subir escadas e tomar o seu assento no meio de dezenas de pessoas estranhas, balançar por causa da instabilidade, até poder descer e tomar o seu caminho. Atividade cansativa e desgastante até para quem ainda tem bom desempenho físico e disposição. Mas e quando o corpo não responde mais aos reflexos como antes? E quando você não tem mais o equilíbrio e disposição para manter-se em pé dentro de um ônibus?
Idosos de todo o Brasil enfrentam uma rotina no mínimo exaustiva ao acessar o transporte público das nossas cidades. Com cada vez menos tempo e paciência para a condição dos nossos velhos, o ir e vir Constitucional desses que construíram o nosso país fica limitado pela nossa intolerância.
“As pessoas às vezes até dão o lugar pra gente sentar, mas os motoristas… eles arrancam com o ônibus e quase derrubam a gente. Eu já caí duas vezes dentro do ônibus. Têm alguns motoristas que não deveriam estar dirigindo pra idosos. Tem um deles que vira a cara e fica resmungando. Ficam bravos com a gente”. Enquanto espera o ônibus de sua linha, Dona Jussara, 68 anos, diz que é humilhante ter de depender da boa vontade de todos. Para o idoso que desfruta de tempo livre e disposição suficiente para aproveitar a qualidade de vida oferecida à 3ª idade, ainda resta ultrapassar a barreira que se tornou a mobilidade pública. Para Dona Maria, de 65 anos, faltam, sensibilidade aos usuários dos coletivos e profissionalismo dos funcionários que atendem a população diariamente. “Dentro do ônibus tu se sente sem liberdade. Os idosos tinham de ter mais liberdade porque os jovens tomam o teu lugar”, relata a aposentada.

“Assento é problema. Às vezes tem gente nova, estudantes, e eles não dão bola para nada. Esse problema é grave e não adianta reclamar. É só pra acabar ouvindo reclamações”. Seu Sadi, de 78 anos, parado sob um sol de 32ºC, em um ponto de ônibus no centro da cidade, reclama também dos passageiros que lotam as linhas de ônibus sem respeitar assentos privativos, o que evidencia a desigualdade entre uma pessoa que arca com o peso de mais de 65 anos e outra ainda jovem.
Coletivo x integridade física
Ir de ônibus para casa ou para o centro da cidade para uma pessoa que já passou dos 65 anos – faixa etária beneficiada pela lei federal 10.741/03 (Estatuto do Idoso), garante o direito a gratuidade em transportes urbanos e semiurbanos nos municípios – pode se tornar um risco ao ter que depender de transportes públicos. A fragilidade do corpo de um idoso é ameaçada pelos solavancos dentro do ônibus.
Com muletas após um acidente caseiro, Dona Bernadete, 70 anos, é obrigada a usar transporte público para se deslocar até o hospital, posto de saúde ou farmácia dos quais está dependente. Sua condição preocupa aqueles que olham de longe uma idosa com muletas tentando subir no ônibus. “Eu tenho problema na perna esquerda que não dobra. Não é todo o banco que eu posso sentar. Quando o ônibus está cheio, e não tem lugar ali na frente, é difícil. É a educação desse povo. As pessoas reclamam por que os idosos sentam ali na frente. É só a educação do povo que não adianta”.
“Um idoso que cai pode ter chance de cair de novo em um prazo de um ano. Pois a queda é um processo traumático e a pessoa que cai fica com medo de cair de novo, e uma queda em idades avançadas pode ter implicações bem séries levando até a morte”. Em seu consultório na Faculdade de Educação Física e Fisioterapia na Universidade de Passo Fundo, a Drª Lia Mara Wibelinger expõe a que tipos de traumas um idoso pode estar exposto em uma viagem de ônibus, e completa: “Com a atual expectativa de vida, onde se espera encontrar idosos com mais de 90 anos, faz com que tenhamos uma preocupação: como será este processo de longevidade, como será para o idoso envelhecer?”.

Segundo a Dr.ª Lia Mara, os idosos dependem de políticas e de condições que propiciem sua locomoção com segurança, que seria o mínimo de qualidade de vida que se poderia oferecer para os idosos. “Aí existe uma série de cuidados que tem que ser tomados: o degrau do ônibus tem que ser mais baixo, pois o idoso não consegue depositar todo o peso do corpo em uma perna só, fazer um a transferência de peso unilateral que é o subir e descer do ônibus. Segundo, dentro de um ônibus que para recolhe passageiro e sai rapidamente, se uma pessoa que possui alguns desses tipos de alteração que possa deixar o corpo em algum tipo de instabilidade de equilíbrio pode ser a causa de uma queda dentro do ônibus”, diz.
Balcão do Idoso
Em sábado à tarde, seu Jandir da Rosa, 75 anos, toma o ônibus de sua linha e conta como, sendo um usuário de transporte público da 3ª idade, sofre com o descaso e despreparo dos profissionais responsáveis por atender a população dentro dos coletivos. “Os motoristas, em alguns dias deixam a gente nas paradas. Cruzam lá longe e nem olham para o lado da parada. Quando o ônibus está lotado, eu nem embarco porque sei que ninguém vai dar lugar nos bancos”.
Idosos de Passo Fundo, como Seu Jandir, possuem um canal de referência para tratar das demandas relacionadas à mobilidade pública. O Balcão do Idoso é uma parceria do Ministério Público Federal, da Prefeitura Municipal e da Universidade de Passo Fundo. De acordo com a coordenadora Denize da Luz, o a parceria serve como porta de viés político, recebendo reclamações e/ou denúncias que estejam ferindo algum direito do idoso. “O idoso ou o familiar que tenha alguma reclamação ou denúncia sobre transporte público pode vir até nós e fazer o seu relato. Especificamente sobre transporte urbano, nós ainda não recebemos nenhuma reclamação direta no balcão. Mas no caso de alguma denúncia, nós a repassaremos para o núcleo que trabalha com acessibilidade (Secretaria de Transportes e Serviços Gerais), pois quem fiscaliza toda esta questão é o Ministério Público”. Segundo Denize, o Balcão do Idoso serve também como interface de recepção de outras demandas que cercam as especificações do Estatuto do Idoso, como orientações e encaminhamentos referentes à aposentadoria, cobranças indevidas, violência doméstica, abuso e maus tratos, moradia, ou seja, o que se refere aos direitos constitucionais e legais dos mais velhos.
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Em Passo Fundo, em fevereiro de 2011, o projeto de lei apresentado pelo vereador Julianos Roso (PC do B), estabelece a gratuidade de ônibus para pessoas maiores de 60 anos, assegurando a isenção de pagamento de passagem nos serviços de transporte coletivo urbano. Votado em dezembro mesmo ano, não foi aprovado. Para Juliano, o projeto quer corrigir e adaptar a legislação municipal à legislação federal. O projeto ainda não foi arquivado e aguarda o resultado de um abaixo-assinado realizado por entidades ligadas aos direitos dos idosos.
Se aprovada, a regulamentação da lei propiciaria a uma parcela maior de idosos e locomoção gratuita pela cidade, o que demandaria mais estrutura física das vias públicas, recursos para investimentos e profissionais qualificados para atender às senhoras e senhores que transitariam cada vez mais dentro dos coletivos e, consequentemente, pelas ruas de Passo Fundo.
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