
Era uma noite fria em Passo Fundo, mas nada que nos impedisse de sair de casa e ir até o hotel onde algumas bandas do Mundo Livre Festival – que rolou em junho do ano passado – estariam hospedadas. Pegamos os casacos e saímos, contando com a sorte. Fomos autorizadas a ficar na hall do hotel. Eis que eles aparecem
Dois músicos. Duas personalidades totalmente diferentes. Serginho Moah, vocalista da banda Papas da Língua, e Jonathan Correa da Reação em Cadeia, mostram, fora do palco, o lado mais “tímido” e brincalhão de cada um. Com uma câmera improvisada e uma gravação feita com celular, o bate papo foi muito tranquilo, descontraído e espontâneo. A entrevista, que deveria ter saído em um caderno da cidade no ano passado, finalmente chega a você agora. E se o papo é com Moah, antes tarde do que nunca. Confira.
Você já teve que abrir mão de alguma coisa da sua vida pessoal por causa da carreira?
Serginho Moah: “Eu acho que é o que a gente mais faz. Nesse momento eu estou longe dos meus filhos, da esposa, mas pessoas que eu amo loucamente tipo meu pai e minha mãe, eu tive que “abrir mão deles”, porque eu morava em Uruguaiana e tive que ir embora para Porto Alegre para apostar na carreira. Mas graças a Deus a gente tem um retorno muito bom, as pessoas gostam do trabalho do Papas e com isso a família toda acaba ficando feliz.”
Jonathan Correa: “ Cada escolha é uma renúncia. Quando você escolhe uma coisa, mesmo que tenha os bônus, tem os ônus também. Eu deixei de fazer muitas coisas que eu queria na época, tipo viajar para o exterior para estudar, deixei de entrar na faculdade, estava prestes a entrar na faculdade, várias coisas mesmo, mas valeu à pena.”
Que curso você iria fazer?
JC: “Na época eu estava pensando em fazer jornalismo, não sei por quê (risos). Mas não sei se eu iria me dar bem fazendo jornal. Acho que eu não iria ser o cara para redação.”
As redes sociais hoje são mais uma forma de interação das bandas com o público. Como é a relação de vocês com os fãs a partir das redes sociais?
SM: “É uma relação simples, e tem que ser assim. Procuramos manter uma relação de simplicidade com as pessoas, afinal, nós somos ‘operários da arte’. É bom que as pessoas te vejam em outros lugares. Por exemplo, eu gosto de ir ao cinema, de frequentar outros lugares. Esta é a palavra de ordem: simplicidade.”
JC:“A gente demorou um certo tempo, mas eu já tenho uma conta no Twitter há um ano e meio ou dois. Tuíto relativamente bastante. Às vezes tem aquela coisa de confundir o Twitter com o caderno, escrevo coisas que geralmente escreveria no caderno, composição, poesia… Mas eu vejo que a gente tem se relacionado muito bem com a rede social. Estar mais perto do fã, estar mais perto das pessoas que nos ajudam, que nos apoiam é importante pra caramba.”
Como você vê o espaço que a mídia dá (ou não) para as bandas gaúchas? Principalmente as bandas de rock?
SM: “O pessoal lá de cima, de SP, Brasília, eles até se referem à gente dizendo ‘a os caras fazem “rock gaúcho”’ , e isso é bacana, virou uma referência. O Papas faz um pop rock e procuramos fazer isso da melhor maneira possível. A gente meio que inaugurou o pop aqui no RS, pois a banda surgiu numa época em que se fazia muito blues, muito rock mesmo, e a gente chegou com a “Blusinha Branca”, “Viajar”, trazendo um certo molejo que a galera gostou e estamos aí há 17 anos.”
JC: “A gente é bem agraciado pela mídia, posso dizer. A Reação é uma banda que aparece bastante. A galera fala ‘oh, vocês sumiram’, justamente porque quando a gente aconteceu em 2002, foi algo meio estrondoso, a gente apareceu muito além da conta, a gente estava em todos os jornais, todas as rádios. Hoje eu vejo que a gente é uma banda que aparece bastante, naturalmente, quando lança um disco novo, mas eu acho que falta ainda um pouco mais de espaço para as bandas novas, porque o Rio Grande do Sul continua sendo o celeiro do rock e de grandes artistas. É preciso um pouco mais de foco em cima dessa galera nova.”
Um Livro:
SM: “Eu estou lendo agora O Tempo e o Vento, mas também posso citar O Perfume, que até tem o filme, que eu prefiro não assistir, porque os personagens que eu criei na minha cabeça a partir do livro são muito mais interessantes; Fogo Morto de José Lins do Rego é maravilhoso. Um livro que me ensinou muito, que tem a ver com liderança é O Monge e o Executivo, que é um livro bem simples, mas que te dá dicas de como ser um bom líder. Também li a biografia do Keith Richards para me divertir, é muito engraçada, mas tem muita coisa ainda, eu sou apaixonado por livros.”
JC: “ Scar Tissue, do Anthony Kiedis, foi um livro legal que eu li.”

Um defeito:
SM: “Um monte (risos). Ah eu sou meio rabugento às vezes.”
JC: “Sou explosivo.”
Uma qualidade:
SM: “Eu me considero amigo de todo mundo, eu gosto disso. Leveza é uma palavra da língua portuguesa que eu gosto muito, e que é como eu procuro levar minha vida, com leveza. A vida todo dia te apresenta algo muito bom ou algo ruim, e você tem que saber lidar com isso para não levar os teus problemas para o convívio com outras pessoas, não levar algo que é teu para alguém que não tem nada a ver.”
JC: “Sou amável.”
Uma paixão:
SM: “A música. Eu sou completamente louco por música. Agradeço a Deus todos os dias por esse privilégio de andar por aí compondo e mostrando a arte da minha banda. Ah, e o Colorado também, nosso Internacional (risos).”
JC: “Liberdade.”
Um medo:
SM: “Medo de que isso acabe, ou por uma má relação entre a banda ou por qualquer outro fator, economia, gripe suína (risos), que aliás, quase “acabou” com a banda em uma época meio nebulosa, que foi uma fase bem preocupante, mas graças a Deus demos a volta por cima.”
JC: “Medo de não concluir todos os meus objetivos enquanto vivo.”
Um momento:
SM: “Acho que foi quando eu ouvi pela primeira vez a música ‘Eu Sei’ na novela Páginas da Vida, foi um momento maravilhoso, aquilo foi o “Abra-te Césamo” da gente; ali eu estava sabendo que nós íamos rodar o país, ficar conhecidos no Brasil todo. E graças a Deus conseguimos, ficamos por 7 meses em 1º lugar nas paradas e viajamos pra caramba não só pelo Brasil, mas fomos para Portugal, Estados Unidos, África.”
JC: “Quando tocou “Me Odeie” pela primeira vez no rádio.”
Uma música:
SM: “Engraçado, agora que falou em música eu travei, não deveria né?! (risos). Mas eu acho que é mesmo a música “Eu Sei”. Eu agradeço muito essa música, foi um grande acontecimento na vida do Papas da Língua.”
JC: “Me Odeie”, que foi a música que fez toda minha a vida mudar.”
Uma frase:
SM: “Hoje em dia, temos artistas de todo o tipo, ainda mais com o advento da internet, onde parece que todos fazem sucesso. Mas eu respeito muito o sucesso de todo mundo, exerço o meu direito de não gostar disso ou daquilo, mas o Brasil por ser um país continental, tem um segmento artístico muito variado.E um artista que se chama Nelson Ned, que inclusive meu pai teve a honra de tocar com ele; e quando eu tinha uns 14 anos, ele veio para o RS e deu uma entrevista no Jornal do Almoço. Perguntaram para ele sobre como ele lida com as pessoas que não gostam e criticam o trabalho dele, e ele simplesmente saiu com essa: “Você tem o direito de não gostar do meu trabalho, mas você não tem o direito de negar a realidade do meu sucesso”. E essa é a frase que me acompanha. Que bom que vocês perguntaram isso, porque não é uma frase de nenhum filósofo, mas sim de um cara que exerce a profissão que eu exerço e que sofreu muito preconceito por ser anão, mas que se superou e foi um grande artista da época, um baita cantor.”
JC: “Não tá morto quem peleia.”
Um sonho:
SM: “Hoje em dia em meio a tudo isso que acontece, me refiro aos jovens que se envolvem com drogas, por exemplo, e como disse o Armandinho no Planeta Atlântida, que ‘a droga já passou do limite, se é que existia algum limite para ela’; e aproveitando quero fazer um apelo à juventude que às vezes se sente fraca por algum motivo, que não entrem nesse mundo das drogas. Mas um sonho…Bom, eu tenho filhos, um menino de 13 e uma menina de 11, e o meu sonho hoje gira em torno deles, de torná-los cidadãos de bem, que tenham uma leveza no viver, no jeito de encarar a vida, que eles possam virar grandes profissionais em alguma área e encarar os problemas que aparecerem.”
JC: “Voltar a caminhar nas nuvens… Sonhar, ficar sonhando acordado de novo.”
Uma pessoa:
SM: “Minha mãe. Tem muitas pessoas especiais na minha vida, mas a minha mãe, a Dona Maria… Uma vez, lá onde minha família mora em Uruguaiana, tem um complexo de várias casas, com várias famílias, e houve uma época em que essas famílias brigaram entre si, e minha mãe ficou ali no meio daquilo tudo, tranquila e teve uma maestria tão grande que ninguém brigou com ela. As pessoas vinham até falar umas das outras pra ela e ela se manteve neutra, deixando a coisa rolar. Até que um dia as coisas foram voltando ao normal, as pessoas voltaram a se falar, e ela meio que mediando aquilo tudo, incentivando que tudo voltasse ao normal. E eu admiro muito ela por isso, pela maneira com que ela leva a vida e encara as coisas, encara os problemas sem virar um também. É um grande exemplo para mim.”
JC: “Podem ser duas? (risos) Meu pai e minha mãe.”
Um desafio a ser superado:
JC: “A timidez. Pode não parecer, mas eu sou muito tímido”.
Qual foi a reação de vocês ao ter a música “Os Dias” na novela Bicho do Mato da Record?
SM: “Foi louco. A gente não esperava. A gente sabia que a gravadora estava preparando um trabalho de marketing e divulgação bem legal e quando a coisa aconteceu foi inesperado. Música na novela, legal. Foi bom. Isso fez com que a música se tornasse conhecida no Brasil inteiro, até quando a gente faz turnê em outras regiões do Brasil, essa música a gente é obrigado a tocar, porque foi uma música que aconteceu.”
Se você pudesse mudar alguma coisa no mundo, o que você mudaria?
JC: “É difícil. Não sei cara, tem muita coisa para mudar. Eu começaria por Brasília. Deixaria um cara ou dois para tomar conta e tiraria toda aquela corja de lá, que não fazem nada e só tiram o nosso dinheiro. Acho que já iria dar uma grande mudança para o mundo, afinal de contas, o Brasil é um país continental. Já iria dar uma grande diferença.”
*Colaboração: Jéssica Fontana Favaretto
