A obra da usina hidrelétrica de Belo Monte coloca em lados opostos o governo e os ambientalistas, passando longe de se chegar a um consenso
A polêmica está no ar e a discussão lançada. A construção da usina hidrelétrica de Belo Monte vem dividindo opiniões do Oiapoque ao Chuí e tirando o sono dos ambientalistas. A usina é considerada a maior obra do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal e tem custo estimado em 30 bilhões, dos quais 80% serão arrecadados por meio dos impostos. No entanto, o que se esconde por trás do projeto da maior usina hidrelétrica inteiramente brasileira?
Para início de conversa, é preciso contextualizar os fatos. Os estudos para a construção de uma hidrelétrica na bacia do rio Xingú começaram lá em 1975. Cinco anos depois, a Eletronorte fez os primeiros estudos de viabilidade técnica e econômica da proposta, até então chamada de Complexo Hidrelétrico de Altamira, constituído pelas usinas de Babaquara e Kararaô. A história começou a ganhar contornos polêmicos em 1989, quando, no 1º Encontro dos Povos Indígenas do Xingú – realizado em Altamira (PA) -, uma índia se levantou da plateia e encostou a lâmina de seu facão no rosto do presidente da Eletronorte, José Antonio Muniz. A cena marcou a revolta do povo indígena com a construção da usina de Kararaô, sendo reproduzida em diversos jornais. Posteriormente, o nome foi substituído por Belo Monte, em respeito aos índios.
Alguns anos mais tarde, em 2001, o governo divulgou um plano avaliado em US$ 30 bilhões que objetivava aumentar a oferta de energia no país, incluindo a construção de 15 usinas hidrelétricas, entre elas a de Belo Monte. O presidente Fernando Henrique Cardoso criticou os ambientalistas que discordaram do projeto, alegando que a oposição atrapalhava o desenvolvimento do Brasil, e, no ano seguinte, uma consultoria foi contratada para definir a forma de venda do projeto.
Em 2007, o encontro Xingú para Sempre foi palco para um novo confronto entre os índios e o responsável pelos estudos ambientais da hidrelétrica, Paulo Fernando Rezende. A partir disso, o movimento elabora a Carta Xingú Vivo para Sempre, que descreve as ameaças da obra ao rio Xingú e apresenta um projeto de desenvolvimento para a região. Já em 2008, o licenciamento foi suspenso pela Justiça Federal, conforme pedido do Ministério Público. Assim, o Ibama voltou a analisar o projeto e o leilão para concessão ocorreu em 2010.
Órgãos responsáveis e o impacto ambiental
No mesmo ano em que o leilão foi feito, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) concedeu a licença ambiental prévia para a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte. No entanto, a liberação não leva em conta que os impactos socioambientais não foram suficientemente avaliados. A Fundação Nacional do Índio (Funai) foi outro órgão que autorizou a construção, ainda em 2009, contradizendo seu princípio de proteger os povos indígenas e considerando a viabilidade do empreendimento sem conhecer as consequências ou apresentar propostas concretas para evitar ou amenizar os impactos sobre os índios. Após a pressão feita pela Presidência da República, a Funai liberou a construção de Belo Monte, ignorando o tempo necessário para a análise técnica adequada. O parecer técnico nº 21 – análise do componente indígena dos estudos de impacto ambiental – destacou a falta de informações de um estudo capaz de delinear os impactos da construção e a manifestação dos povos indígenas sobre o empreendimento. Apesar disso, com poucos condicionantes, a Funai optou pela viabilidade da usina hidrelétrica.
Entre os impactos causados pela obra na região, pode-se citar o aumento da pressão sobre os recursos naturais – já ameaçados pela caça, pesca e exploração madeireira -, aumentando a atividade ilegal. Outro aspecto a ser considerado é a vazão ecológica do rio Xingú: a barragem irá desviar um trecho de aproximadamente 100 km de água do leito, alterando as condições do rio e a reprodução dos seres vivos. Consequentemente, os povos que vivem naquela região e dependem desses recursos também serão atingidos.
Outro agravante se concentra na inadequação da consulta realizada aos povos indígenas que serão diretamente afetados pela construção de Belo Monte. A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) obriga o Estado a fazer a consulta. Mesmo que as comunidades não tenham chegado a um consenso e a pesquisa não tenha sido satisfatória, o Estado afirmou que cumpriu seu papel institucional de esclarecimento, realizando diversas visitas às aldeias. Dispensável dizer que a consulta meramente atendeu às exigências burocráticas, descartando quaisquer alterações ao projeto.
Seguindo a mesma vertente, o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, e o presidente do Ibama, Roberto Messias, anunciaram em fevereiro do ano passado a liberação da licença ambiental para a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte. Essa licença permitiu o leilão de concessão da obra, prevista para ser a terceira maior hidrelétrica do mundo – atrás apenas da chinesa Três Gargantas e da binacional Itaipu – e o maior empreendimento do PAC, com estimativa de produção de 11 mil mega-watts (MW). Entretanto, essa capacidade só será atingida no auge da cheia, enquanto no restante do ano deve gerar cerca de 4 mil MW.
Com tanta discussão, prós e contras, em abril de 2010, o fórum da ONU recebeu as denúncias sobre a UHE de Belo Monte. O governo brasileiro apenas informou que as áreas de inundação do atual projeto são menores que as daquele apresentado na década de 1970. Ainda assim, o maior problema continua sendo a vazão do rio, que será reduzida e afetará os povos indígenas que vivem na região do Xingú. Outras questões como a qualidade da água e da vida de animais e plantas não foram esclarecidas, assim como os impactos socioambientais que o empreendimento acarretará.
Mas foi em junho deste ano que a situação ganhou contornos firmes. Apesar das recomendações feitas pelo Ministério Público Federal (MPF) e pela Organização dos Estados Americanos (OEA), o presidente do Ibama, Curt Trennepohl, anunciou a liberação da licença definitiva para a construção de Belo Monte. Para Trennepohl, o empreendimento é “tecnicamente e juridicamente sustentável” e as 40 condicionantes exigidas para a licença de instalação estão em condições satisfatórias. Contudo, segundo levantamento do Movimento Xingú Vivo Para Sempre, apenas 2 das 26 condicionantes apresentadas para a construção foram completamente cumpridas, enquanto as outras 14 ainda não foram atendidas.
Movimentos contrários à obra
Pensando em todos os aspectos envoltos na construção da Usina, cientistas das principais universidades brasileiras enviaram à presidente Dilma Rousseff uma carta na qual solicitam a suspensão da licença concedida. A carta foi organizada pelo “Painel de especialistas para análise crítica de Belo Monte” e manifesta a preocupação quanto ao cumprimento das leis que se referem aos direitos humanos e ambientais.
Recentemente, o Movimento Gota D’água ganhou notoriedade, principalmente, a partir das redes sociais. O vídeo da campanha apresenta atores e atrizes famosos convidando os espectadores a assinarem uma petição que, posteriormente, será enviada à presidente da República. O movimento foi criado com o intuito de mobilizar a sociedade para as causas socioambientais. A página do projeto Gota D’água na rede social Facebook já tinha, até o fechamento desta matéria, 406.566 curtições, isso sem contar as centenas de compartilhamentos do vídeo.
