Adaptação para as telas do Deus do Trovão foi feita para ser vista na tela grande. Monumental em escala, segue a cartilha dos filmes da Marvel na criação de seu “multiverso” nos cinemas, joga diversas referências ao longo da projeção, privilegia o entretenimento e consegue abafar seus problemas narrativos apoiando-se na trinca de personagens principais
Se em estrutura narrativa “Thor” se assemelha em muito aos outros filmes que a Marvel tem preparado para compor seu “multiverso” nas telas – e também para o lançamento de “Os Vingadores” em 2012 – há algo mais na história do herói, surgido para as HQs no início dos anos 60, que o diferencia dos demais. Há uma estrutura shakespeariana, presente na tragédia familiar baseada em um conflito de irmãos e a busca por agradar ao pai. Há algo de Rei Lear na história do herói baseado na mitologia nórdica. “Thor” nunca fui um herói dos mais populares da Marvel e, ao contrário de heróis mais “reais” como Homem de ferro, Capitão América e até o homem-aranha e seus conflitos com a grana para pagar o aluguel, também sempre esteve mais vinculado a um mundo fantástico, pouco ligado com a nossa realidade. O que deixa a equação balanceada é justamente o drama presente na relação entre seus três personagens principais, que fazem com que a escolha de Kenneth Brannagh para dirigir sua adaptação aos cinemas seja um acerto. Conhecido por sua predileção por Shakespeare no teatro e nas telas, Brannagh conduz “Thor” como uma versão fantástica dos contos do bardo – até onde a Marvel permite, é claro, porque, no todo, “Thor” faz parte de um projeto muito maior e tem um objetivo claro.
O conflito de dois irmãos – Thor e Loki – para agradar ao pai, Odin, e se mostrarem dignos de assumirem o trono do reino fantástico de Asgard é o que diferencia o longa de outras adaptações levadas pela Marvel aos cinemas. Aqui, o foco das atenções não é apenas em um personagem, mas na relação entre três deles – e Loki, com seus conflitos e sua gradual transformação frente ao público, com motivos claramente perceptíveis, se configura no melhor vilão dos filmes da Marvel até agora. Claro que Thor, banido de Asgard por um gesto inconseqüente e perdido na Terra, sem poderes, é o vértice principal desse triângulo, mas ele não existiria sem as outras pontas. E a força desse triângulo acaba eclipsando a outra metade da história, justamente o núcleo ambientado na Terra. A recriação fantástica de Asgard prova que, anos atrás, seria impossível fazer um filme minimamente crível sobre o personagem. Brannagh se apóia na monumentalidade para tornar seu filme um passatempo agradável e constante – e tudo é imenso, grande, imponente, maior, mais forte, mais, mais, mais… Na tela pequena da TV o filme perderá muito. Foi feito para ser visto no cinema.
O choque entre essas realidades – da imponência em Asgard para o ínfimo planeta Terra – traz bons frutos ao longa, que se apóia em um humor bem equilibrado e em atores, no geral, bem posicionados, apesar de ter arestas soltas: na ânsia da monumentalidade e pela quantidade de personagens envolvidos – além do trio principal, outros personagens em Asgard, os gigantes de gelo, o núcleo da Terra e os amigos de Thor em Asgard – o filme de Brannagh começa a ser prejudicado em sua meia hora final, principalmente, quando os conflitos se resolvem de forma abrupta, onde parece que algo foi limado do roteiro para que o filme não ficasse longo demais. Onde as relações se estabelecem com muita facilidade, e onde os conflitos ficam mal resolvidos – e onde uma atriz como Rene Russo, pelo excesso de elementos e pouco tempo para desenvolvê-los acaba ficando sub-aproveitada. As sequências finais em Asgard parecem ter sido montadas às pressas, com cortes abruptos demais. É então que se mede a influência da Marvel sobre a palavra do diretor. Brannagh até usa o “ângulo holandês” que ele já usara anteriormente (basta lembrar “Frankenstein de Mary Shelley”), com um certo exagero, mas fica patente a influência da fórmula pré-estabelecida do estúdio para seus personagens – suas propriedades – em busca de um tom uniforme nas adaptações. Essa influência deixa a marca do diretor em segundo plano e partir de determinado momento. Não é, ainda, o melhor filme do estúdio para seus heróis – essa honra ainda cabe a “X-men 2” em uma humilde opinião – mas deixa claro que a construção do tal multiverso Marvel é um ato planejado e a longo prazo. Um festival de referências – a Hulk, Gavião Arqueiro (com uma festejada ponta de Jeremy Renner indicando o que vem a seguir) e Nick Fury – jogadas ao longo do filme fazem a delícia dos fãs e consolidam o longa de Brannagh naquilo que ele foi destinado a ser: mais uma peça de um produto sendo montado aos poucos com precisão cirúrgica. Se poderia ser melhor como cinema, como narrativa e como exercício de estilo, pouco importa: “Thor” comprova que a fórmula consolidada não vai dar errado em termos de indústria. Melhor para o público que também funcione, e muito bem, como produto de entretenimento, mesmo com seus deslizes de congruência.
[xrr rating=3/5]

