Um dos primeiros filmes a condenar abertamente o nazismo quando a guerra recém começava na Europa e antes do ataque a Pearl Harbor, “Tempestades D’Alma” tem um discurso mais incisivo e de melhores resultados do que “O Grande Ditador”, de Chaplin, obviamente usando de menos sarcasmo e indiretas. O filme de Frank Borzage é direto até demais. Através de uma família que mora nos Alpes germânicos, próximo à fronteira com a Áustria, mostra a ascensão do regime e a queda das liberdades individuais de maneira magnífica se analisada em seus pormenores. Usa para isso a divisão da própria família e a inimizade que nasce entre os jovens daquele núcleo, entusiastas de “uma nova e forte Alemanha” com a chegada de Hitler ao poder, como Chanceler, em 1933, e o ex-amigo da família, Martin, que não vê com bons olhos a cega mudança de rumo da sociedade em que vivia em paz. Sem conseguir se integrar a essa nova ordem, ele decide fugir para a Áustria, através de um caminho nos Alpes.
É curioso como Frank Borzage desenvolve seu estudo sem aprofundamento sobre as raízes do mal social na Alemanha da década de 30 independente de seu herói maior, justamente James Stewart. O clássico de Borzage, injustamente pouco conhecido – é um dos grandes de sua filmografia – serve à uma América mais atenta a saber conhecer do que ocorria na Europa, menos interessada em entender suas origens, apesar de que “Tempestades D’alma” esboça, em alguns momentos, algumas breves tentativas de explicar porquê uma sociedade inteira seguiu idéias racistas, reacionárias e extremas de um homem como Adolf Hitler. Peca, porém, ao ver o fenômeno de forma simplista e rasa em alguns momentos, um clichê que dominaria boa parte da produção americana nos anos subseqüentes, facilmente compreensível para colocar o inimigo como um monstro, um robô regido a idéias rasas. Não tenta explicar como isso aconteceu, apenas mostra o fato consumado. Não tira, no entanto, o seu mérito.
É, em sua estrutura, um típico filme do diretor, acostumado a colocar o amor contra circunstâncias exteriores, cercando-o, tentando neutralizá-lo. De certa forma, para a ocasião, o nazismo no filme é apenas uma oposição a uma história de amor trágica que pouco deve a grandes romances na história do cinema, mas que permaneceu relegada, provavelmente por duas razões: a) a ascensão do nazismo como um terror social e mundial, um temor acima de uma curiosidade. A forma como o regime circunda cada fotograma do filme de Borzage explica, talvez, a razão dele ter sido relegado em detrimento de outras obras onde o regime era um mero pano de fundo. Aqui, o terror do regime ao longo dos seis anos de guerra – quando o filme foi rodado, a guerra recém começara – depôs contra o filme. É de se pensar que os envolvidos não imaginassem que ele se tornasse o que se tornou, e b) Borzage faz com que o romance seja superior aos personagens, principalmente ao seu astro.
James Stewart surge repentinamente na tela quando a platéia já foi conquistada por um prólogo simples e de desenvolvimento fácil. Quando isso aconteceu, ninguém lembrava mais que ele era o astro da história. E em determinado momento ele desaparece e, curiosamente, pouco se faz falta. O que poderia ser um erro imperdoável comprova que a força da trama de Borzage está em si própria e não em um ponto de apoio. Toda essa trama é o motivo principal da atenção do diretor, e James Stewart é um mero ponto de referência à platéia, um americano interpretando um alemão discordante da nova ordem. É o ponto de vista a partir do qual se manifesta a raiva e a sensação de impotência do público.
Borzage ainda manifesta um profundo medo mesclado à nostalgia em uma cena final arrebatadora: os passos das pesadas botas do filho mais velho na mansão vazia, onde a visão dos cômodos inabitados se mescla às falas de outros tempos, presentes em sua memória. É um grande filme, que merece ser analisado em seu tempo e nas conseqüências a que se submeteu involuntariamente.
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